Dossier - Artículo Original
Conselho Tutelar como tecnologia de governo. Relações agonísticas entre proteção e vigilância

Consejo Tutelar como tecnología de gobierno. Relaciones agonistas entre protección y vigilância

Tutelary Council as a technology of government. Agonistic relations between protection and surveillance

Conselho Tutelar como tecnologia de governo. Relações agonísticas entre proteção e vigilância.
Runa, vol. 40 no. 2, (239- 256 pp.), Nov-Apr, 2019, doi: 10.34096/runa.v40i2.6269. ISSN: 1851-9628
Instituto de Ciencias Antropológicas, Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires


1. Introdução. E no meio do caminho estava o Conselho Tutelar...

Entrei numa padaria para perguntar sobre a localização da casa de Estella. Perguntando sobre o endereço dela, um homem que estava na fila do caixa se adiantou e logo foi me dizendo: “É lá no Morro da Caixa, seguido temos que andar lá”. Nisso, eu olhei para o seu crachá e percebi que ele era do Conselho Tutelar. Imediatamente pensei que ele pudesse me ajudar, então expliquei que estava fazendo uma pesquisa com jovens “egressas” de casas de acolhimento e casas-lar. ‘Quando é assim, é melhor você ir antes no Conselho ou no CRAS, que é melhor para localizar esses adolescentes’, respondeu o conselheiro que, na sequência, aumentou o tom de voz e falou para quem desejasse ouvir: ‘Ontem mesmo, tivemos que pegar um bebê, os pais eram drogados, a coisa mais linda a menina, me deu até vontade de ficar com ela para mim e não entregar’. Nisso, o padeiro foi comigo até o meio da rua para me mostrar como eu faria para chegar ao meu destino, que de fato era o Morro da Caixa. ‘Tá vendo aqueles predinhos, lá? É por lá, mas você vai contornar por aqui, ó...’. Nesse momento, o conselheiro saiu do padaria e me fez uma série de perguntas, seguidas de recomendações: ‘Estás levando celular na mochila? Melhor colocar no bolso. Tens dinheiro? É melhor colocar a mochila para a frente, porque lá eles passam e te arrancam a mochila fora. Lá, é meio complicado, às vezes eles não deixam entrar em alguns lugares’. (Trecho extraído do Diário de Campo)

O trecho acima descreve a busca pelo endereço da Estella, jovem “egressa” da Casa lar Nossa Senhora do Carmo que mora em um morro conhecido de Florianópolis/SC - O Morro da Caixa.1 Tal relato é particularmente revelador para a discussão que pretendemos desenvolver nesse artigo, pois permite problematizar a complexidade das redes que envolvem as experiências, e até mesmo a localização de “egressos” de instituições de acolhimento, quase sempre atravessadas pela presença dos operadores das políticas de proteção. Interessante observar, a partir desse evento, que a presença do Conselho Tutelar (CT) se faz a partir da figura do conselheiro tutelar, profissional que na situação descrita fez questão de marcar distância em relação às outras pessoas da comunidade, sobretudo ao mostrar um conhecimento da vida cotidiana local e uma vigilância acerca do que se passa ali, e também em relação à própria pesquisadora. Ao sugerir que ela deveria ter procurado o Conselho Tutelar ou o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), pretendia marcar também uma posição para o próprio CT e para as próprias políticas públicas de assistência social: a de um lugar incontornável na produção e localização dos “egressos”.

Como a pedra no meio do caminho do poema de Carlos Drumond de Andrade, o CT não é apenas um obstáculo, mas algo relevante e que metaforicamente representaria um elemento incontornável da vida dos sujeitos. Um elemento sem o qual ou talvez a partir do qual será composta a vida daqueles sujeitos, os quais em ato reflexivo e criador se colocam a questão de qual o significado daquela “pedra” no seu caminho e como devem com ela interagir. Ao longo dos anos o CT vem se transformando para a população pobre numa espécie de materialização do conjunto de políticas públicas de proteção social. Tal é o sentido mais geral do presente artigo.

Lembremos que o Conselho Tutelar é um dos dispositivos criados na esteira de uma série de reconfigurações no campo das políticas públicas de proteção da infância decorrentes da implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990 no Brasil2. Para que se compreenda a abrangência das atribuições do CT, é importante recuperar sua definição normativa (art. 131 ECA): o CT é um órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. Trata-se de um órgão público sob a responsabilidade do Poder Executivo Municipal e que administrativamente está subordinado às prefeituras o que, segundo Ribeiro (2009), explica a diversidade da sua atuação. Ele foi concebido para agilizar e prestar atendimento não jurisdicional à população infanto-juvenil, possibilitando uma intervenção social que retira da alçada da justiça e da polícia os casos de luta por direito e de assistência às famílias, crianças e adolescentes, sendo um dispositivo gerido por representantes da sociedade civil (Scheinvar, 2012, pp. 48).

Ao longo de quase três décadas de existência, o CT vem se transformando num dispositivo que atravessa a complexidade da dinâmica das relações familiares, sobretudo nas camadas pobres da população brasileira, e se tornou um vetor fundamental das políticas sociais para a infância e adolescência no Brasil. Por essa razão, ele tem sido objeto de preocupação e de estudos quanto a sua efetividade e alcance social. Desde a criação dos CTs, pesquisadores, sobretudo da Antropologia e da Psicologia, têm procurado pensar como funciona essa tecnologia de governo, quais são suas atribuições e competências e o que tem se transformado desde a sua criação. Esses trabalhos têm evidenciado o distanciamento que esse dispositivo tem assumido em relação ao seu objetivo inicial, tornando-se cenário de queixas, lugar de disputa entre os agentes, dispositivo conformado por práticas naturalizadas (Nascimento y Scheinvar, 2007; Ribeiro, 2009; Rodrigues y Cruz, 2010). As pesquisas têm demonstrado de modo contundente que o CT atua como uma importante instância de cuidado, mas também no registro do controle social. De um modo geral, a literatura especializada parece oscilar criticamente, por vezes pendularmente, entre a identificação de uma impotência do Conselho Tutelar em garantir os direitos das crianças e adolescentes e a crítica às modalidades de controle que ele exerce sobre a organização das famílias nas quais ele intervém.

É importante situar, desde logo, que consideramos o Conselho Tutelar como uma tecnologia de governo, no sentido foucaultiano, ou seja, como o conjunto múltiplo de estratégias e táticas, saberes, instituições, normativas, procedimentos, análises e reflexões que permitem governar e objetificar sujeitos, práticas sociais e moralidades (Foucault, 2008). Não sendo “ferramentas neutras”, como observam Schuch, Ribeiro e Fonseca (2013), as tecnologias de governo são indissociáveis não apenas das “formas de resistência” e “contra condutas”, mas da criação de condições para a emergência de formas de se constituir enquanto sujeito (modos de subjetivação). Seguindo tal perspectiva, importante dizer que não estamos tratando apenas de sujeitos e suas margens de manobra frente a uma política pública, nem estamos tentando resgatar uma perspectiva de autonomia dos sujeitos. Queremos sim enfatizar, antes e acima tudo, a emergência de sujeitos que se dá a partir dos modos como eles próprios avaliam códigos e instituições e criam modos de existência. Em outras palavras, inspirados em M. Foucault (1984), nos focamos no “trabalho ético” que os sujeitos realizam sobre si mesmos, numa auto-modelação que dá sentido à sua condição de agente concreto no fluxo das políticas públicas. Um trabalho que as interlocutoras da pesquisa cujas narrativas serão apresentadas na sequência realizam ora seguindo diretivas do CT ora contra essas diretivas, numa “relação agonística” no sentido de Michel Foucault (1994, pp. 235):

La relation de pouvoir et l’insoumission de la liberté ne peuvent donc être séparées. Le problème central du pouvoir n’est pas celui de la ‘servitude volontaire’ (comment pouvons-nous désirer être esclaves?): au cœur de la relation de pouvoir, la ‘provoquant’ sans cesse, il y a la rétivité du vouloir et l’intransitivité de la liberté. Plutôt que d’un «antagonisme» essentiel, il vaudrait mieux parler d’un «agonisme» - d’un rapport qui est à la fois d’incitation réciproque et de lutte; moins d’une opposition terme à terme qui les bloque l’un en face de l’autre que d’une provocation permanente.

De fato, o que pretendemos argumentar nesse texto é como, a partir de experiências narradas por jovens “egressas” de serviços de acolhimento institucional (abrigos, casas-lares), se dá a relação com o Conselho Tutelar, não apenas no momento da institucionalização, mas no fluxo do tempo, inclusive quando elas mesmas se tornam mães. Em grandes linhas, propomos uma possibilidade de escape ao regime analítico pendular no qual o CT ora é analisado numa perspectiva proteção, ora de controle. Ao longo do presente artigo, traremos elementos que contribuam para avançarmos na superação de uma dicotomização entre sujeitos e políticas públicas, ou, mais concretamente, entre as experiências das jovens “egressas” e o CT. Para tal empreendimento, tomamos como inspiração as reflexões propostas por Marilyn Strathern (2011) e também por Roy Wagner (2010) sobre a “técnica da reversão figura-fundo”,3 afim de problematizar em um novo patamar a relação entre as jovens e o CT. Ao adotarmos tal técnica acreditamos contribuir para uma outra angulação sobre os lugares do Conselho Tutelar como política pública.

Como temos procurado mostrar em outros trabalhos (Rifiotis, T., 2007, 2014, 2015; Rifiotis, T., Matos, 2010), as políticas sociais no Brasil têm sido cada vez mais marcadas por lutas por reconhecimento, fundamentalmente normativo, repercutindo a chave dos “direitos do sujeito” e a centralidade da ação social com foco nos “direitos violados”. Nesse sentido, temos observado uma tensão entre as políticas focadas nos direitos (“direitos violados”) e aquelas que procuram resgatar os sujeitos de direitos, voltadas para as experiências dos sujeitos, para a sua dimensão vivencial. Se nos parece relevante destacar esse ponto é porque assistimos no Brasil uma passagem da prevalência discursiva dos sujeitos de direitos para práticas guiadas centralmente pelos direitos do sujeito. Tal prevalência, desloca o centro de gravidade das políticas públicas para o campo normativo e pode ocultar a dimensão vivencial dos sujeitos para os quais a sua ação está voltada, obliterando, no limite, a agência dos sujeitos. Isso quer dizer que os direitos e as próprias políticas têm sido cada vez mais tomadas enquanto “figura” e os sujeitos como “fundo”. O que propomos, ao problematizarmos a relação entre as jovens e o CT, é assumir uma espécie de “reversão” dessa relação figura-fundo entre CT e sujeitos atendidos por ele, trazendo para o primeiro plano os sujeitos, sem produzir um apagamento das políticas públicas.

Concretamente, o presente texto procura problematizar os lugares do Conselho Tutelar como uma tecnologia de governo a partir das experiências de jovens que passaram por processos de institucionalização durante a infância e adolescência. As experiências dos sujeitos que serão narradas a seguir nos possibilitam retomar, num patamar etnográfico, como se dá a passagem das políticas públicas focadas nos sujeitos de direito para políticas centradas nos “direitos violados”, ou seja, nos direitos dos sujeitos (Rifiotis, T., 2007). Assim, trazemos para o debate os modos pelos quais os sujeitos re-elaboram esse processo através de suas experiências com o Conselho Tutelar.

Cabe ainda lembrar nessa introdução que as políticas públicas tomam vida através de uma rede complexa e heterogênea, um “conjunto compósito” (Fassin, D., Bouagga, Y., Coutant, I., Eideliman, J.-B., Fernandez, F. e et al., 2013, pp. 350) que se desenvolve nas suas práticas e discursos através de uma pluralidade de agentes, instituições, valores, saberes. O que confirma a necessidade de recuperarmos, através da etnografia das práticas concretas dos agentes responsáveis por colocar em ação essas políticas, confrontando-se com exigências institucionais e normativas, os modos como eles avaliam o seu próprio trabalho e o de seus “clientes”, e, sobretudo, no que nos interessa aqui, cabe destacar como aqueles aos quais se destinam tais políticas as avaliam e atuam frente a elas. Sem voltar a uma teoria do sujeito autônomo, autodeterminado ou auto-consciente, consideramos imperativo que os estudos das políticas públicas incorporem nas suas análises a dimensão vivencial dos sujeitos procurando perspectivas para descrever a sua amplitude e a sua complexidade.

Porém, antes de avançarmos mais nessa discussão em abstrato, devemos ouvir as histórias que nos narraram Clarissa, Alice e Alice, três jovens vivenciaram processos de institucionalização durante a infância e/ou adolescência e que falam sobre essas experiências e da sua condição de mães e suas relações com os seus filhos, sempre em relação ao Conselho Tutelar. Os relatos que trazemos a seguir mostram exatamente a pluralidade de caminhos que podem se abrir frente àquela “pedra no caminho” e como ela tem sido integrada enquanto mais um dos elementos da dimensão vivencial das interlocutoras da pesquisa. Tais relatos fazem parte de um conjunto de pesquisas etnográficas de longa duração realizadas por Fernanda Cruz Rifiotis, que tiveram lugar, num primeiro momento entre 2005 e 2007 em Porto Alegre (Cruz, 2007) e que foram aprofundadas entre 2010 a 2014 nas cidades de Florianópolis, Palhoça e Porto Alegre (Cruz, 2014).4 O trabalho de campo teve como ferramenta metodológica privilegiada a escuta, através de entrevistas e conversas informais junto a 14 jovens “egressos” e a observação sistemática do seu cotidiano.

2. De objeto de cuidado e tutela a sujeito

2.1 A experiência de Clarissa

As experiências das jovens que participaram da pesquisa são marcadas por uma intensa circulação entre diferentes instituições de tutela, seja a família, a casa da parentela extensa e de amigos e vizinhos, as diferentes modalidades de serviços de acolhimento e a rua. No caso algumas dessas jovens, a circulação, ao invés de ser uma iniciativa da família, da escola ou de vizinhos, ou mesmo do Estado, ela teve início pela ação das próprias jovens que, ainda crianças, se desvencilharam das condições de maus tratos vivenciadas no âmbito de suas famílias (consanguíneas ou adotivas) e foram em busca daquilo que entendiam por cuidado e proteção. E nessa busca, o Conselho Tutelar enquanto tecnologia de governo merece especial destaque. Isso porque, para as jovens, este encarna a própria política de proteção, ainda enquanto crianças ou adolescentes.

Chama a atenção, nesse ponto, a experiência de Clarissa que desde muito cedo aprendeu a assumir as incertezas e mesmo os riscos em nome de um modo de vida que fosse alternativo aquele vivenciado no ambiente familiar. Tanto que sua experiência de acolhimento institucional não foi uma intervenção externa à sua experiência de vida, ela foi uma escolha sua: “Eu saí de casa por vontade própria. Eu fui para a rua porque eu quis, porque eu não quis mais viver dentro de casa com a minha mãe”. Ela desejava se desvencilhar dos maus-tratos e da exploração da mãe, a qual obrigava a ela e a irmã a pedirem esmola para sustentar os seus caprichos. E depois de cerca de cinco anos nessa condição, ele decidiu, aos 13 anos, que a saída de casa seria a chance de inventar novas possibilidades de vida. Depois de ficar na casa do então namorado, de buscar abrigo na casa de uma amiga, ela começou a vagar pelas ruas e conheceu o Betinho, um homem que era usuário de drogas, soropositivo e tinha uma filha com a idade da Clarissa. E foi pela mediação do Betinho, desse homem fora de qualquer padrão esperado pela sociedade, que ela ouviu falar pela primeira vez em Conselho Tutelar. A narrativa de Clarissa é reveladora:

De madrugada, eu acordei e escutei uma conversa dele (Betinho) com outras pessoas usando drogas de que o certo para mim seria procurar meus direitos, porque aquilo ali não era normal, que se o Betinho me deixasse morando ali, o Conselho Tutelar podia vir me buscar...e daí, quando foi de manhã, eu levantei e fui até o Conselho Tutelar.

Ela não sabia ao certo onde ficava o tal Conselho Tutelar, mas mesmo assim foi atrás daquilo que lhe parecia ser uma possibilidade de enfrentar toda aquela situação, sobretudo a mãe. Foi perguntando e se informando até que chegou ao lugar que procurava. Clarissa estava ali naquele lugar, que poderia ser entendido como sendo fundado no simples “artifício de redefinir convenções”, a partir do encaminhamento de crianças e adolescentes para os serviços de acolhimento em nome da sua proteção). O CT se apresentava para ela como uma possibilidade de seguir um curso particular da vida, uma possibilidade mobilizada pela inventividade dos sujeitos (Wagner, 2010).

Nesse movimento, o Conselho Tutelar sofre uma espécie de processo de subversão produzido por Clarissa, na medida em que ela faz deste uma “linha de fuga”, no sentido de efetivar novas possibilidades de vida e de se tornar agente do seu próprio processo de institucionalização. O CT, mesmo nesse movimento, não deixa de ser um dispositivo que produz sujeitos (sujeitos sob medida protetiva, sujeitos em situação de vulnerabilidade, sujeitos em situação de risco, etc.), mas a sua maquinaria é posta em ação por demanda que vem de um lugar não esperado por falta de um reconhecimento da capacidade de agência dos sujeitos aos quais ele se destinaria. Clarissa não é simplesmente capturada em fórmulas tutelares, ela também resiste a elas e procura definir seus próprios modos de agir. Por isso a surpresa que nos causa o fato de Clarissa procurar o CT e diante do conselheiro Fábio que a atendeu, ela ter se colocado nos seguintes termos: “Ó, Fabio, é assim, eu não quero voltar para casa, eu não vou voltar para casa!”.

O conselheiro sabia o que precisava ser feito, mas resistiu em fazer por vias que não lhe são as habituais ou mais esperadas e convencionais: “Não, mas a gente não pode fazer assim, porque tem que ter um acompanhamento... A gente tem que chamar tua mãe, porque a gente tem que conversar, a gente tem que tentar uma reconciliação”, lembra a Clarissa. Porém, a jovem já havia experimentado a ineficiência da reconciliação quando tinha oito anos de idade e fugiu de casa com a irmã, por conta da mesma situação. Onde o conselheiro tentava enxergar “reconciliação”, ela já não via nada além de ruptura. E, nesse ponto, observamos uma tentativa de chegar a uma espécie de consenso acerca da proteção, o qual, no entanto, não seria possível, pois quanto mais o conselheiro acionava a convenção (lembrando que é tarefa do CT proteger os direitos da criança e do adolescente, mas que isso deve ser feito de maneira a preservar o máximo possível o princípio da convivência familiar e comunitária) mais ele acabava por contra inventar o seu oposto: a dimensão da invenção5 (era a própria jovem que desejava ser acolhida e que sinalizava os termos da intervenção). Havia um curso esperado da ação, mas a Clarissa desejava fazer do seu jeito. Além disso, para o conselheiro, a concepção de proteção passava pela garantia dos direitos da Clarissa à convivência familiar e pelo trabalho de restabelecimento dos vínculos, ao passo que, para a jovem, a proteção, naquele contexto, significava a possibilidade de romper o mais rápido possível com a situação de exploração materna. Em termos de “proteção”, a jovem e o conselheiro experimentavam aquilo que se poderia chamar uma “equivocação não controlada”, ou mais exatamente o “desconhecimento da significação alternativa”, o qual acaba por alimentar a busca improdutiva de uma posição consensual entre a perspectiva do Estado (em termos de políticas públicas) e dos sujeitos (com suas demandas) (Kelly, 2010).

Após três dias, a jovem retornou ao Conselho Tutelar e foi atendida por uma conselheira: “Aí, eu já tava bem pior, aí eu não tinha tomado banho nesses três dias, eu não tinha me alimentado direito, eu não sabia o que era dormir direito”. Mas, mesmo assim Clarissa mantinha a mesma posição: “O que eu disse, eu vou voltar a dizer: ou vocês me arrumam um orfanato ou eu vou continuar nas ruas, para casa eu não volto”. A conselheira então providenciou o encaminhamento da jovem para um albergue, como era da vontade dela, mas fez isso ainda tendo em vista a possibilidade de uma “reconciliação” ou de “formar essa união familiar de novo”. E tendo o convencional (intervenção do Conselho Tutelar) como base para sua invenção, a Clarissa circulou por muitos lares, antes de chegar na casa-lar Nossa Senhora do Carmo. Nesse meio tempo, Clarissa ligou para a conselheira que, na época, cuidava do processo e pediu para trocar de casa, pois ela queria ir para um lugar onde fosse respeitada, onde pudesse ser “bem acolhida” e “bem aceita”. A profissional não sabia mais o que fazer com a Clarissa, talvez porque ela não estivesse acostumada com uma jovem que tinha optado pelo acolhimento institucional e que iria cobrar para ser vista não como mais um caso de direitos violados, mas como sujeito com demandas específicas. “Não, mas como é que tu não vais ficar na casa?” - impacientou-se a conselheira, “Meu deus! Eu arrumo uma casa para ti, tu não fica; eu arrumo outra para ti, tu não fica. O que tu queres, afinal de contas?”. A pergunta da conselheira a princípio poderia remeter apenas à inconstância própria da adolescência, em termos das dúvidas, insatisfações, etc., mas na verdade, ela é reveladora de uma falta de consenso ou tensão entre o ponto de vista dos jovens e o daqueles responsáveis pela concepção e execução das políticas públicas. Clarissa sabia o que ela queria, mas talvez a sua demanda não correspondesse às expectativas e ao modo de ação próprio da profissional naquele contexto.

Então por mais que a conselheira tenha procurado fazer com que a jovem agisse segundo as expectativas institucionais, segundo uma imagem compartilhada de moral e do social, ela não foi capaz de impedir a invenção; pelo contrário, o modo de ação da Clarissa revelava uma dimensão que extrapolava as categorias postas pelo sistema de proteção: aquelas próprias de um sujeito que se constrói na falta e que incorpora a intervenção do Estado. Ao revelar suas expectativas em relação ao cuidado no âmbito dos serviços de acolhimento e confrontar estas com a da conselheira, a Clarissa estava acionando e tornando visível o seu potencial de agência e, portanto, agindo de maneira a desmarcar aquilo que era tomado como convenção. Mas para que esse potencial de agência da jovem fosse visibilizado e mesmo para que ela conseguisse levar adiante a sua invenção e se diferenciar, ela precisava estar em relação com a convenção (nesse caso, a dimensão revelada pelo sistema de proteção), uma vez que, como bem lembra Wagner (2010, pp. 165), o sujeito pode de fato “‘contrafazer’ um mundo convencional dele próprio, mas o convencional será sempre um fator”.

2.2 A experiência de Alice

Alice é uma jovem simpática, de abraço afetuoso e olhar distante, cuja história foi marcada por muito sofrimento, perdas, abuso, solidão e carência de família. A mãe da jovem faleceu quando ela era pequena e o pai nunca assumiu a Alice e o seu irmão gêmeo. Na ocasião do falecimento da mãe, como os filhos tinham três anos, um casal de vizinhos os adotou. Contudo, segundo a Alice e também a Clarissa, que conhecia a história da jovem, o interesse deles não era em cuidar e proteger as crianças, mas ficar com o dinheiro (sobretudo a pensão) que a mãe da Alice havia economizado. “Pô, e a gente não pediu para ir com eles, por que eles quiseram? Só para quê? Por causa do dinheiro? ”. A avó quando soube do falecimento da filha foi até Santa Catarina para pedir a guarda das crianças, mas, como explica a Alice, na avaliação do Conselho Tutelar, a avó já era idosa para assumir tal responsabilidade e, portanto, a tutela acabou ficando com o casal que, algum tempo depois, começaria a ser denunciado pela vizinhança e pela escola em função dos maus-tratos às duas crianças, mas em especial à Alice, segundo ela, por ser negra (enquanto seu irmão gêmeo é branco e tem “cabelos loiros”).

Mesmo sofrendo maus-tratos, a jovem não pensava em deixar a casa do casal e, se isso acontecesse, ela imaginava levar o irmão junto com ela; afinal, “ele também tava sofrendo, ele também apanhava”. No entanto, o desfecho da história foi bem diferente daquele que ela ousaria sonhar. Numa quarta-feira, o homem que adotou os irmãos saiu para trabalhar à noite na Marina no Morro da Lagoa e, em casa, permaneceu apenas a mulher com as crianças. Só que nesse dia, lembra Alice, o homem havia dado 50 centavos para os gêmeos e a filha biológica do casal viu e foi imediatamente contar para a mãe. “Daí ela na varanda assim e ela com a vara e dava: ‘cadê esse dinheiro! Cadê esse dinheiro! ”. Os irmãos, com medo e sentindo dor, só conseguiam dizer que ele não havia dado dinheiro algum. Depois disso, a Alice disse para o irmão que tinha tomado uma decisão: ia fugir daquela casa. A fuga, naquele momento, não significava apenas o não enfrentamento da situação de maus-tratos, tratava-se mais de encontrar elementos que a permitissem, num outro momento, buscar outras possibilidades de vida, de achar uma “saída” ali onde não parecia ser possível. Ela se investiu de potência e assumiu o risco de abandonar a casa daquela família, mas o fez pensando numa volta para uma outra vida junto com o irmão que para ela era a própria família. Aquela experiência, ao contrário de intimidá-la, ampliava sua potência de agir. O irmão teve medo de que a mulher fosse pegá-los e recuou. Mas a Alice não: “Eu vou fugir, não queres ir não vai, mas eu vou fugir”. Fugiu sem destino, toda machucada, à procura de socorro:

Fui, eu corria..., subi um pedaço do morro da Lagoa ali não sei nem como, pelo mato, descalça e subindo, pisei em cima de espinho. Com a cara, com os braços, toda inchada. Eu cheguei no vizinho lá em cima, ele me socorreu, me botou para dentro de casa. Me deram banho. Daí botaram meu braço na salmoura, para aliviar assim um pouco do inchaço.

Nesse meio tempo, a mulher foi até a casa desse vizinho em busca da Alice. Os vizinhos negaram que a menina estivesse lá, mas a mulher espiando para dentro da casa insistia: “Eu sei que ela tá aí, se vocês não me derem ela eu vou chamar a polícia”. Mas os vizinhos, que sabiam dos maus-tratos recorrentes, já tinham feito denúncia ao Conselho Tutelar e enfrentaram a mulher: “Chama! Chama! Daí mesmo é que tu não vai levar essa criança daqui”. Diante desse episódio, as duas crianças foram levadas para o Juizado para participar de uma audiência. Os dois foram atendidos por psicólogas, só que em salas separadas. Indagados sobre a vontade de deixar a casa do casal, os irmãos deram respostas diferentes: ela desejava sair, mas ele disse que poderia ficar. Ao saber que sua resposta havia contribuído para a separação dos dois (uma vez que somente ela seria levada para a casa-lar), ela desejou voltar e tentou de todas as maneiras convencer a psicóloga de que tudo aquilo não passava de uma imaginação de criança:

Não, não vou, não quero, era mentira, eu nunca apanhei. Daí, só que já era tarde, nessas horas é que a gente vê que contar sempre a verdade nunca é bom. Eu não me interessava se eu ia apanhar, sofrer maus-tratos, passar fome, passar frio, sede...eu queria saber de estar com o meu irmão. Ficar com ele, também era a única família que eu tinha.

As imagens do dia da audiência permanecem muito vivas na lembrança da Alice; ela relembra tudo em detalhes, desde a arquitetura do prédio do fórum, até o carro que levou os dois irmãos para este lugar. Antes de ser levada para a Casa-Lar Nossa Senhora do Carmo, a psicóloga tentou convencê-la de que ela iria para um lugar melhor, onde ela seria acolhida, cuidada, bem tratada e que ela teria muitas meninas para poder conversar. Mas para ela, o difícil não era aceitar a vida no abrigo, mas sim a vida longe do irmão: Durante o período em que ela esteve na casa-lar, o casal (no caso, o marido da mulher) só levou o irmão para visitar a Alice uma única vez. Foram sete anos separada do irmão, separação essa que não foi capaz de desfazer os laços, mas os reconfigurou num contexto de desinstitucionalização.

Até hoje, a Alice é crítica em relação à intervenção do Conselho Tutelar, que, segundo ela, contribuiu para esse distanciamento entre os irmãos, mesmo não sendo o CT quem decide sobre a questão da tutela: “Eu tenho raiva de lembrar do Conselho Tutelar, se eles sabiam que estavam fazendo as coisas não era de hoje, sabiam que era com os dois, então, por que não tirar os dois? É claro, é só pensar, se ele tava dizendo que não, é porque alguma coisa há, tá sofrendo alguma coisa assim. Eu tinha medo, imagina ele”.

3. Como sujeito cuidador e responsável

3.1 Clarissa e o cuidado com os filhos

Num contexto de desinstitucionalização, é em função do cuidado com os filhos que algumas jovens passam a acessar novamente as políticas assistenciais e também a buscar uma “saída” diante de situações-limites. Num contexto de desinstitucionalização, as políticas de proteção, as quais se faziam presentes durante a infância e adolescência das jovens, também voltam a se presentificar. No entanto, estas não aparecem mais como “figura” e sim como “fundo” nas relações de cuidado que desejam estabelecer com os seus filhos. E tal presença se dá, sobretudo, em função do Conselho Tutelar, que é percebido pelas jovens como a representação máxima do campo de proteção à infância e à adolescência. Será enquanto “fundo” que o Conselho permanecerá se presentificando no cuidado que as jovens procuram ter para com os seus filhos, em especial por marcar certas expectativas sociais em termos daquilo que seria uma competência para exercer a maternidade. Mas as jovens também acabam por subverter os usos mais convencionais do CT, fazendo dele um meio para aumentarem sua própria potência no que diz respeito à vigilância/controle de outras instituições que deveriam zelar pelos direitos dos seus filhos.

Ao longo do tempo, às experiências passadas de Clarissa vem somar-se o cuidado com os filhos, para os quais ela mobiliza seus conhecimentos das políticas públicas e também dos seus direitos. Para quem, ainda criança, buscou ajuda do Conselho Tutelar, a jovem aprendeu a lidar com o registro das “convenções” e, a seu modo, tornou-se vigilante em relação à execução e ao cumprimento das políticas e fez destas o objeto da sua invenção. Quando a sua filha tinha seis anos, ela descobriu que a menina tinha “distúrbios psíquicos” - “ela inventa histórias independentemente de quem possa afetar, vive em um mundo de fantasia”, conforme ela explicou, insistindo que “isso acaba gerando situações muito graves”. Para resolver o problema da filha, a Clarissa foi procurar ajuda em diferentes lugares, mas a única explicação que encontrou foi uma grande deficiência do município da Palhoça-Santa Catarina para resolver esse tipo de questão. A busca por algum atendimento levou-a até instituições conhecidas desde o período do acolhimento, como foi o caso do Conselho Tutelar e da própria casa-lar. Ali, onde em outro momento ela havia conseguido uma espécie de “saída”, estava a chance de encontrar a solução para o problema da filha. Nas suas palavras:

Agora, eu tô esperando na fila, aguardando para ela conseguir uma vaga. Nem o colégio me cedeu, nem o posto de saúde me cedeu, nem o Conselho Tutelar me cedeu. Daí foi quando eu fui atrás da diretora da casa-lar, mas era contra os princípios da própria casa atender uma outra criança de fora.

A jovem sabia que precisava de ajuda e havia depositado no “poder público”, como ela diz, a expectativa de encontrar uma possibilidade para enfrentar o problema da filha. Mas ao mesmo tempo que a Clarissa fez todo um investimento para conseguir essa ajuda pelos meios formais, nos lugares que, segundo a sua avaliação, teriam essa competência, ela não deixou de fazer as coisas do seu próprio jeito, para além dos limites e lacunas postas pelos serviços públicos. Ela havia recém se separado, tinha uma filha com problema, precisava trabalhar para se sustentar com a menina e se viu sem ter ninguém com quem contar. Os dispositivos criados para conferir segurança aos sujeitos haviam se tornado para a Clarissa justamente o seu contrário, ou seja, fonte de total insegurança. Aqui é importante destacar novamente a existência de uma contradição entre aquilo que os sujeitos percebem e o que as políticas públicas são capazes de produzir. “A minha sensação hoje, se tu depender do poder público, é de insegurança total. Tu te sente impotente, tu não tem apoio para nada, porque numa situação dessa... pô!”. Como ninguém havia “lhe aberto a porta”, mesmo depois de procurar por ajuda, a jovem decidiu pedir demissão do emprego e foi em busca de um outro trabalho que ficasse mais próximo de casa e cuja carga horária lhe permitisse ficar mais tempo com a filha. “Essa situação começou a crescer, eu tive de trocar de serviço, eu tava muito bem, salário bom, emprego bom, só que eu trabalhava do meio-dia às nove da noite, e ela ficava muito tempo sozinha, porque ela estudava pela manhã”.

A partir dessas experiências da Clarissa, é importante observar o lugar que o Conselho Tutelar permanece ocupando na vida das jovens. Se ele foi fundamental no contexto do processo de institucionalização, no contexto de desinstitucionalização ele permanece sendo acionado em diferentes situações, mas, sobretudo, na relação de cuidado que as jovens estabelecem com os seus filhos. Em outra ocasião, num movimento muito semelhante a este feito para conseguir tratamento psicológico para a filha, a Clarissa foi em busca de vaga na escola para o filho. E mais uma vez, entre as instituições procuradas para conseguir ajuda estava novamente o Conselho Tutelar:

Para conseguir vaga para o meu filho, eu tive que ir na Secretaria de Educação, eu tive que ir na Prefeitura e no Conselho Tutelar para conseguir vaga para ele. Eu fui em seis instituições. Eu peguei o Centro Comunitário, lá de cima, do Caique, Criança Esperança, eu peguei, reuni todas e levei: tá aqui ó, o local mais próximo da minha casa é o Criança Esperança e eu quero que o meu filho estude lá.

Diante da resistência por parte da Secretaria de Educação e da própria escola, a jovem faz uso do poder de vigilância do Conselho Tutelar para negociar com as outras instituições estatais. O Conselho, que, até então, fazia a vigilância das famílias, como bem sabia a jovem, poderia ser também o lugar de denúncia dessas instituições que entravariam o seu compromisso de manter os filhos na escola, pelo qual ela mesma poderia ser responsabilizada (inclusive pelo próprio Conselho Tutelar). Era uma questão de direitos, como ela diz enfaticamente:

Eu quero que o meu filho estude lá, eu tenho direito. Se vocês não me arrumar uma vaga, eu vou no Conselho Tutelar e vou arrumar vaga. Eu fui no Conselho Tutelar e quando eu cheguei lá eu disse para eles: se vocês realmente não arrumarem a vaga, eu vou para a imprensa. E eles me disseram que não, que por conta da lei, tinha um limite de vagas e este estava estourando. Eu disse: não, infelizmente, eu digo para vocês, eu preciso trabalhar e meu filho precisa estudar.

A narrativa de Clarissa mostra a centralidade que ocupa o Conselho Tutelar na sua percepção das políticas públicas de proteção à infância e adolescência. Para ela, o CT corporifica, materializa e tem valor instrumental para a promoção e garantia dos seus direitos, o que ele estende posteriormente como mãe para os seus próprios filhos. Como procuramos mostrar ao longo do texto, para as jovens que participaram da pesquisa o CT tem o valor de porta de entrada, de instrumento com o qual se pode fazer valer demandas que não encontram outro modo de expressão, ainda que nem sempre haja um compartilhamento ou adequação entre aquilo que os/as conselheiros/as entendem como cuidado e proteção com as concepções dos sujeitos que são acolhidos pelo CT. Desenhando-se assim um jogo agonístico entre os sujeitos e a instituição de proteção.

3.2 Isabelle e o cuidado com os filhos

Na experiência de maternidade de Isabelle, quando o assunto é o cuidado com os filhos, sobressai o papel de polícia (Donzelot, 2008), de controle e de lugar fundado no restabelecimento das convenções do Conselho Tutelar. O fato de ter de cuidar de seis crianças coloca algumas dificuldades à Isabelle, quando ela precisa sair de casa, sobretudo pelo fato de não ter com quem deixá-los durante sua ausência, ainda que por um curto espaço de tempo. Quando precisa sair de casa para comprar pão ou fralda para as crianças, ela pede para o seu filho maior ficar “reparando os irmãos”. Em uma dessas situações, ela recebeu inesperadamente a visita do avô paterno das crianças que a repreendeu por tal atitude, e fez uso do nome do Conselho Tutelar para reforçar sua ameaça, como lembra a jovem: “Ele disse: ‘ah, porque tu deixou as crianças sozinhas, eu já estava levando elas para o Conselho Tutelar’”. A jovem acabou discutindo com o ex-sogro, argumentando que havia se afastado de casa por necessidade e ainda assim por pouco tempo. “Eu não saí por sair, eu saí porque eu tinha necessidade. Mas é uma coisa assim rápida, não é assim de chegar e demorar. Eu não sou de deixar os filhos sozinhos para ir para a balada. Porque eu sei que eles são crianças, que eles são pequenos ainda, precisam de assistência. Tem que pensar lá na frente, não se eu quis ter filho, eu tenho que saber que eu tenho que ter responsabilidade de ficar. ”

A resposta que a jovem dá, a princípio somente ao avô dos seus filhos, pode ser pensada, na verdade, de maneira mais ampla, tendo em vista as políticas de proteção na figura do Conselho Tutelar. O seu argumento é construído a partir do reconhecimento de que deixar os filhos sozinhos em casa pode parecer falta de responsabilidade, mas se ela precisa fazer isso, não o faz de maneira negligente, é por necessidade e com a preocupação de deixá-los sozinhos o menor tempo possível, já que eles ainda precisam de assistência. Embora não esteja dito explicitamente, talvez seja interessante pensar que essa argumentação está relacionada a um receio, por parte da jovem, de algum tipo de intervenção do Estado na sua família e no cuidado com os filhos. Ela pretende agir conforme as convenções próprias das políticas públicas, inclusive nos termos que usa para falar sobre a maneira de cuidar dos filhos, tais como dar assistência e ter responsabilidade, ainda que, como “fundo”, o Conselho Tutelar e sua ação de controle e intervenção junto às famílias, já experimentada pela Isabelle, permaneça se presentificando no cuidado que a jovem tem com os seus filhos, sobretudo na medida em que marca aquilo que é esperado como competência em exercer a maternidade.

Num contexto de desinstitucionalização, também é importante pensar que a intervenção por parte do Estado, experienciada pela Isabelle durante a infância, permitiu-lhe adquirir uma espécie de competência para agir conforme o registro da “convenção”, um “saber fazer” aquilo que é esperado pela “sociedade”. Tanto que, para a jovem, a mãe que não “sabe fazer”, “não sabe educar”, acaba por perder os filhos. “Tem muita mãe aí que perde os filhos, porque não sabe fazer as coisas, não sabe educar um filho, quer chegar lá e bater”. O parâmetro do cuidado vem da sua experiência de infância atravessada pelas políticas de proteção e seus intoleráveis. Nesse sentido, o Conselho Tutelar novamente encarna o conjunto das políticas de proteção e se torna, para a jovem, a própria política, fornecendo os marcadores em termos do que é tolerável: “dar uma chineladinha” e não maltratar e/ou espancar; não deixar os filhos sozinhos, é preciso lhes dar assistência, como explica a Isabelle, tendo em vista sua própria experiência:

De espancar e essas coisas assim, eu já passei por isso e parei muito em Conselho Tutelar, então, eu não quero isso para os meus filhos. De paulada, tudo era bater, eu não quero isso para os meus filhos. Então, se eles estiverem errados, uma chinelada assim leve não vai matar. Não é coisa que tu vai parar no Conselho Tutelar.

A explicação de Isabelle remete a um complexo campo de modos de representar as condutas que genericamente são designadas como “violência”, uma expressão homogeneizadora marcada pela negatividade e exterioridade (Rifiotis, T., 1997, 1999, 2008). Uma categoria com importantes atravessamentos morais, uma categoria descritivo-qualificadora central nos discursos sobre “direito dos sujeitos” e a judicialização das relações sociais.6 A fala de Isabelle nos remete, num registro mais amplo, a própria racionalidade penal moderna com o seu amálgama entre normas de comportamento e normas de sanção (Pires, 2004), e um desencontro entre as perspectivas dos serviços públicos de proteção e os sujeitos atendidos por elas.

Vemos, portanto, que mesmo num contexto de desinstitucionalização, o Conselho Tutelar permanecerá, por vezes, presentificando o cuidado que as jovens procuram ter para com os seus filhos, em especial por marcar certas expectativas sociais em termos daquilo que seria uma competência para exercer a maternidade. Mas as jovens também acabam por subverter os usos mais convencionais do Conselho, fazendo dele um meio para aumentarem sua própria potência no que diz respeito à vigilância/controle de outras instituições que deveriam zelar pelos direitos dos seus filhos. O CT se faz presente com na redefinição de convenções, no sentido de Roy Wagner (2010), traduzindo em termos de formas e estratégias de formatar condutas consideradas socialmente adequadas.

Considerações finais

Em primeiro lugar, gostaríamos de sublinhar que a pluralidade de modos de realizar a proteção e, em certos momentos, de controle e vigilância do Conselho Tutelar não são redutíveis a práticas inadequadas que necessitem de remodelação. São modos de operar estruturantes da própria tecnologia de governo, cujos limites são intransponíveis nos marcos das práticas reativas dos “direitos violados”, e que não possibilitam revelar a pluralidade dos sujeitos atendidos. Assim, no presente artigo, procuramos analisar a pluralidade das experiências das jovens para trazer para a agenda das políticas públicas uma complexidade que pode orientar a busca de novos indicadores e serviços que atendam essas demandas. Políticas públicas que ultrapassem os marcos dos “direitos violados” e do controle, dirigindo-se cada vez mais para as necessidades dos sujeitos.7

Trata-se antes de colocar em debate na agenda social a pluralidade de configurações, de formas de sujeito, não enquanto formas acabadas, mas de sujeitos em devir, ou seja, sempre por se fazer numa relação experimental com as políticas públicas e consigo mesmos. Retomando os termos de Ortega (1999, pp. 63): “O sujeito-forma é um sujeito apontando para o processo de sua constituição, ou seja, um sujeito como atividade, em devir”. Nesse sentido, as tecnologias de governo são “elementos ativos na construção de novos cenários políticos” que estão sendo permanentemente reconfiguradas e atualizadas (Schuch, Ribeiro, Fonseca, 2013).

A partir dos relatos das três jovens, Clarissa, Alice e Isabelle, podemos afirmar que o Conselho Tutelar se constitui efetivamente na materialização das políticas públicas, uma tecnologia de governo incontornável nas experiências de jovens “egressas” de serviços de acolhimento institucional (abrigos, casas-lares). O CT tornou-se uma espécie de eixo articulador das experiências de institucionalização e de desinstitucionalização dessas jovens interlocutoras da pesquisa. Enquanto tecnologia de governo, ele está reiteradamente presente nos relatos das jovens, se configurando como a figura central da intervenção, mas também de controle. Nele são depositadas suas expectativas e anseios de uma mudança de vida, como nos casos relatados, e também as frustrações e revoltas devido às alterações que provocam nas relações e nos laços familiares. Ora o CT se empenha em demarcar o perímetro dos modos adequados de agir para os sujeitos, ora tem suas funções subvertidas a partir das ações e dos usos que as jovens fazem dele. Ainda que, hoje, as intervenções no Brasil só possam ser feitas via decisão judicial, o CT é o dispositivo onipresente da intervenção. Ele aparece como o protagonista das ações estatais nos relatos das jovens. De certa maneira, é possível pensar que, para as jovens, é o conjunto das próprias políticas públicas de proteção que estão investidas nessa tecnologia.

Ao trazer para o primeiro plano as experiências das jovens com o CT, procuramos colocar em evidência a técnica da reversão figura-fundo, destacando o caráter “agonístico” da relação entre sujeitos e políticas públicas, o que nos permitiu identificar modos de subjetivação implicados nessa relação e destacar o “trabalho ético” que os sujeitos realizam sobre si mesmos. O que consideramos essencial e particularmente complexo no debate sobre as políticas públicas de proteção à infância e à adolescência e seus desdobramentos nas experiências dos sujeitos quando se tornam pais e mães. Por essa razão, consideramos relevante observar também que quando as jovens se veem ocupando o lugar de “mãe”, da figura materna, procuram reinventar este lugar, sobretudo se distanciando das experiências de “cuidado” materno experimentada na infância, marcada pela intervenção do Estado e, consequentemente, pela institucionalização. Tanto que, como é possível observar nos relatos das jovens, o Conselho Tutelar, que anteriormente havia marcado as suas experiências de infância e adolescência, num contexto de institucionalização, volta a se presentificar, não só como forma de garantir os direitos das suas crianças, como também, especialmente, como uma espécie de entidade que, ao exercer vigilância e controle sobre as famílias, se pretende uma referência de cuidados e de normatização, especialmente sobre o que seria “uma boa mãe”. É como se as jovens estivessem familiarizadas com a linguagem das políticas de proteção - principalmente com a forma de atuação dos Conselhos Tutelares - e por isso pudessem subverter o papel deste agente, buscando maneiras de proteger seus filhos da intervenção Estatal. Ao contrário das suas próprias experiências, a mobilidade infantil não é uma prática que marca o cuidado com os seus filhos: os seus filhos permanecem vivendo com as jovens e sendo criados por elas.

Em resumo, o Conselho Tutelar, como tecnologia de governo, funciona tanto no registro da proteção (veiller sur) quanto no registro do controle e da vigilância (surveiller), numa relação agonística entre proteção, seu objetivo mais geral, e o controle e, num certo sentido, “punição” nos relatos das jovens, definindo o perímetro de condutas socialmente aceitas, especialmente nas experiências de seus cuidados com os “filhos” (Bessin, 2011). A relação das jovens com o CT tal como observadas no trabalho etnográfico e nos seus relatos nos permitem trazer para o debate a necessidade de trabalharmos criticamente, sem nos deixarmos capturar num pela dicotomização entre políticas públicas e sujeitos. Ao propormos uma reversão dessa relação, estamos procurando incorporar a própria “equivocação não controlada” como descrita ao longo do artigo, como modos de subjetivação, no registro de emergência de sujeitos.

Assim, as experiências relatadas aqui procuram colocar em pauta a perspectiva dos sujeitos que são objeto das políticas públicas, especialmente aquelas ligadas à infância e à adolescência. Analisar o Conselho Tutelar enquanto tecnologia de governo, como dispositivo formatador de condutas da vida cotidiana e a partir da qual sujeitos tornam-se objeto de políticas públicas, definindo relações de poder, não significa de modo algum reduzi-lo a uma instância de controle. Afinal, as narrativas das experiências das jovens mostram ao mesmo tempo um esforço de resistência e uma possibilidade de se constituírem como sujeitos. A arte de governar, envolvida na noção de tecnologia de governo, deve ser estendida para os sujeitos e sua capacidade criadora de reinterpretar e reelaborar, buscar e contradizer os modos pelos quais o Conselho Tutelar atuou nas suas experiências como crianças e adolescentes e posteriormente como mães. Trata-se de relação ambíguas, paradoxais, aporéticas. As relações entre CT e os sujeitos atendidos são “agonística” no sentido de que acima de tudo estão marcadas por complexos cenários de disputa pelo sentido do cuidado a ser dispensado a crianças e adolescentes e como esses vivenciam estas experiências de cuidado.


Notas

1 A categoria “egresso” implica em uma série de problemas de ordem teórico-metodológica, uma vez que remete aos jovens como produto da institucionalização e também como grupo social. A problematização de tal categoria está desenvolvida na tese de doutorado de Fernanda Cruz Rifiotis defendida em 2014 e na qual encontra-se detalhada a pesquisa de campo com jovens “egressas” de casas de acolhimento institucional na qual está baseado o presente artigo. Lembremos aqui que o termo “egresso” pode ser aproximado da expressão em inglês care-leavers, a qual ao contrário de caracterizar os jovens a partir de um limite etário fixo, permite se interessar mais amplamente pelo período que se segue a partida do jovem da última estrutura na qual foi acolhido no âmbito do sistema de proteção à infância e à adolescência (Observatoire National de la Protection de l’Enfance - ONED, 2014).

2 As atribuições do Conselho Tutelar estão elencadas nos artigos 95, 136, 191 e 194 do Estatuto da Criança e do Adolescente. (Brasil, 1990). Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm .

3 Tal perspectiva já foi desenvolvida em outro texto (Rifiotis, F.C., 2016).

4 Trechos dessa etnografia já foram publicados (ver Cruz, 2015).

5 O conceito de invenção está sendo usado no sentido proposto por Roy Wagner (2010). Seguindo tal perspectiva, toda a invenção dotada de significado precisa envolver tanto um “contexto convencional” quanto um contexto não convencionalizado”, um dos quais controla o outro. Cada contexto remete a um modo de simbolização (convencional ou diferenciante) sobre o qual o simbolizador, dependendo da situação ou cultura, concentrará forçosamente sua atenção. É justamente pela dialética (sem síntese) entre os dois modos de simbolização e, sobretudo, pela “obviação” de um desses que se produz a invenção. Essa reflexão está desenvolvida em outra publicação (Rifiotis, F.C., 2019).

6 No campo das políticas públicas sobre infância, veja-se o livro de Hebe Signorini Gonçalves intitulado “Infância e violência no Brasil” (2003).

7 Sobre a pluralidade dos sujeitos que são objeto de políticas públicas, procuramos desenvolver um conjunto preliminar de questões em artigo publicado anteriormente sobre jovens em conflito com a lei (Rifiotis, T., Vieira, Dassi, 2016).

Agradecimientos

Agradecemos o apoio dado aos nossos projetos de pesquisa pela CAPES e pelo CNPq.

Referências bibliográficas

Bessin, M. (2011). Les tensions temporelles de la protection. Em N. Guimard e J. Petit-Gats (orgs.), Le Contrat Jeune Majeur: Un temps négocié (pp. 165-170). Paris: L’Harmattan.

Brasil. Lei 8.069. Estatuto da Criança e do Adolescente Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília/DF, 13 de julho 1990. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm

Cruz, F.G. (2007). Socialização midiatizada: o papel da televisão na recepção de adolescentes de instituições de acolhimento. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação). São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

Cruz, F. (2014). Jovens em devir: invenção de novas possibilidades de vida para além da institucionalização. Florianópolis. Tese de doutorado em Antropologia Social, Universidade Federal de Santa Catarina.

Cruz, F. (2015). Da maternidade como invenção de novas possibilidades de vida: Análise das experiências de jovens “egressas” de serviços de acolhimento institucional. Civitas: Revista de Ciências Sociais 5, 326-341.

Donzelot, J. (2008). La policía de las familias: familia, sociedad y poder Buenos Aires: Nueva Visión.

Fassin, D., Bouagga, Y., Coutant, I., Eideliman, J.-B., Fernandez, F. e et al (2013). Juger, réprimer, accompagner: essai sur la morale de l’État Paris: Éditions du Seuil.

Foucault, M. (1984). L’usage des plaisirs. Histoire de la sexualité II, Paris: Gallimard.

Foucault, M. (1994). Dits et écrits (1980-1988), vol. IV. Paris: Galimard.

Foucault, M. (2008). Segurança, Território, População: curso dado no Collège de France (1977-1978) Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes.

Gonçalves, H. S. (2003). Infância e violência no Brasil Rio de Janeiro: Paulo de Frontin-NAU Editora-FAPERJ.

Kelly, J. A. (2010). “Os Encontros de Saberes”: equívocos entre índios e Estado em torno das políticas de saúde indígena na Venezuela. Ilha. UFSC. Florianópolis, II(2), 266-302. Recuperado de https://periodicos.ufsc.br/index.php/ilha/article/view/2175-8034.2009v11n1-2p265/17797

Nascimento, M. L. do e Scheinvar, E. (2007). De como as práticas do conselho tutelar vêm se tornando jurisdicionais. Aletheia, 25, 152-162. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-03942007000100012

Observatoire de L’Enfance en Danger (ONED) (2014). Revue de Littérature: L’accompagnement vers l’autonomie des jeunes sortant du dispositif de protection de l’enfance Recuperado de https://www.oned.gouv.fr/system/files/publication/20141029_revue_de_litterature_autonomie.pdf

Ortega, F. (1999). Amizade e Estética da Existência em Foucault Rio de Janeiro: Edições Graal.

Pires, A. (2004). A racionalidade penal moderna, o público e os Direitos Humanos. Novos Estudos, 68, 39-60.

Ribeiro, F.B. (2009). Conselho Tutelar e negociação de conflitos. Em Políticas de proteção à infância: um olhar antropológico (pp. 93-113). Porto Alegre-RS: Editora da UFRGS.

Rifiotis, F. C. (2016). “Egressos” de serviços de acolhimento institucional e políticas públicas: a “reversão figura-fundo”. Revista de Antropologia 59, 214-238.

Rifiotis, F. C. (2019). “Egressas” de Serviços de Acolhimento e a Invenção de Novas Possibilidades de Vida. Revista Brasileira de Ciências Sociais 34, 1-20.

Rifiotis, T. (2007). Direitos Humanos: sujeitos de direitos e direitos dos sujeitos. Em Silveira, R.M. G., Dias, A.A., Ferreira, L. F. G., Feitosa, M.L.P.A.M. e Zenaide, M.N.T. (orgs.). Educação em Direitos Humanos: fundamentos teórico-metodológicos (pp.231-244). João Pessoa: Editora Universitária.

Rifiotis, T. (2014). Judicialização dos Direitos Humanos, lutas por reconhecimento e políticas públicas no Brasil: configurações de sujeito. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 57(1), 119-144.

Rifiotis, T. (2015). Violência, Justiça e Direitos Humanos: reflexões sobre a judicialização das relações sociais no campo da “violência de gênero”. Cadernos Pagu. Unicamp (45), 261-295.

Rifiotis, T., Vieira, D. e Dassi, T. (2016). Judicialização das relações sociais e configurações de sujeito entre jovens cumprindo medidas socioeducativas em Santa Catarina. Anuário Antropológico, Brasília, UnB 41(1), 35-55.

Rifiotis, T. e Matos, M. (2010). Judicialização, Direitos Humanos e Cidadania. Em Ferreira, L.F.G., Zenaide, M.N.T., Pereira, C.M.C. e Silva, I.N. da. (orgs.) Direitos Humanos na Educação Superior. Subsídios para a Educação em Direitos Humanos nas Ciências Sociais (pp. 241-288). João Pessoa: Editora Universitária da UFPb.

Rodrigues, L. e Cruz, L. Rodrigues da (2010). Práticas cotidianas de proteção à infância: Movimentos de (pre)ocupação com quem? Psicologia Argumento, 28(63), 351-357. Recuperado de https://periodicos.pucpr.br/index.php/psicologiaargumento/article/view/20331

Scheinvar, E. (2012). Conselho Tutelar e Escola: a potência da lógica penal no fazer cotidiano. Psicologia & Sociedade, 24, 45-51. Recuperado de http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=309326566008

Schuch, P., Ribeiro, F. B. e Fonseca, C. (2013). Apresentação. Infâncias e crianças: saberes, tecnologias e práticas. Civitas: Revista de Ciências Sociais, 1(1), 205-220.

Strathern, M. (2011). Sobre o espaço e a profundidade. Trad. Priscila da Costa. Cadernos de Campo, 20, 241-258. Recuperado de http://www.revistas.usp.br/cadernosdecampo/article/view/36809

Wagner, R. (2010). A Invenção da Cultura Tradução de Marcela Coelho de Souza e Alexandre Morales. São Paulo: Cosac Naify.

1234567