Transporte rodoviário de passageiros e os novos aplicativos

Thiago Oliveira Neto

Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas e Letras, Departamento de Geografia, Brasil.
ORCID: http://orcid.org/0000-0003-2877-3606

Bruno Candido dos Santos

Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas e Letras, Departamento de Geografia, Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3116-5775

Recibido: 22 de febrero de 2020. Aceptado: 23 de octubre de 2020.

Resumo

O transporte rodoviário de passageiros no Brasil é um serviço delegado pelo poder público a empresas privadas que operam linhas autorizadas pelo Estado. A partir de 2017 novos agentes iniciaram suas atividades com estratégias que diferem das utilizadas pelas linhas regulares. São corporações que ofertam serviços de fretamento com base em grupos de passageiros que buscam um mesmo trajeto. Portanto, este artigo propõe a discussão destes novos agentes, que atendem a ligações similares àquelas que são operadas essencialmente pelas empresas do transporte regular. Trata-se de um novo conjunto de agentes dentro de um panorama operacional regulado nacionalmente pela Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) e por órgãos estaduais nas unidades federativas. Realizou-se um extenso levantamento bibliográfico e também a leitura de jornais especializados em transportes para subsidiar a coleta de informações sobre esses novos agentes. Há a formação de uma nova lógica operacional, pois essas empresas organizam clientes em torno de uma ligação comum e a partir da demanda oferecem o serviço com a utilização de equipamentos de outras companhias. Esta lógica ocasionou rearranjos por parte das companhias do transporte regular, que em determinados casos têm ofertado serviços similares com o uso de sua própria estrutura operacional.

Palavras chave: Transporte rodoviário de passageiros. Interações espaciais. Agentes corporativos. Técnica.

Road passenger transport and new applications

Abstract

Road passenger transport in Brazil is a service delegated by the government to private companies that operate lines authorized by the State. From 2017 new agents started their activities with strategies that differ from those used by regular lines. These are corporations that offer charter services based on groups of passengers who seek the same route. Therefore, this article proposes the discussion of these new agents, that serve connections similar to those that are operated essentially by regular transportation companies. This is a new set of agents within an operational landscape regulated nationally by the Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) and by state agencies in the federative units. An extensive bibliographic survey was carried out and also the reading of newspapers specialized in transport to support the collection of information about these new agents. There is the formation of a new operational logic, as these companies organize customers around a common connection and, based on demand, offer the service with the use of equipment from other companies. This logic has caused rearrangements on the part of the regular transport companies, which in certain cases have offered similar services with the use of its own operational structure.

Keywords: Road passenger transport. Spatial interactions. Corporate agents. Technique.

Palabras clave: Transporte de pasajeros por carretera. Interacciones espaciales. Agentes corporativos. Técnica.

Introdução

O transporte rodoviário de passageiros no Brasil é uma atividade econômica de central importância para o provimento de deslocamentos de pessoas, bagagens e encomendas pelo território nacional. Tal atividade é, por excelência, circulação de pessoas inscrita no território, pois engendra deslocamentos que elucidam uma variedade de interações espaciais, que formam um amplo conjunto de deslocamentos de capital, informação, mercadorias e pessoas pelo espaço geográfico, variando em intensidade, frequência, distância e direção, com distintas velocidades e meios (Corrêa, 2006a).

Há também outras modalidades de serviço, como o transporte por fretamento, que é subdividido em contínuo, eventual e turístico. O contínuo é utilizado por firmas que ofertam aos seus trabalhadores o deslocamento de suas residências para o local de trabalho. O eventual é usado para viagens ocasionais sem interesse turístico, como viagens para eventos acadêmicos, trabalhos de campo realizados por escolas e universidades, entre outras possibilidades. Finalmente, há o fretamento turístico, em que o serviço prestado pela transportadora deve obedecer às modalidades turísticas definidas pela legislação vigente.

Ressalta-se que, no âmbito nacional, todos estes serviços são autorizados pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), autarquia responsável pela fiscalização e controle da atividade em todo o país. Ou seja, tanto o serviço regular quanto o fretamento são operados mediante autorizações cedidas pela Agência (o rodoviário regular é regulamentado pela resolução número 4.770/2015 e o rodoviário sob regime de fretamento é organizado pela resolução número 4.777/2015).

A operação por parte das empresas é garantida por um conjunto de fixos e fluxos que formam o sistema de movimento rodoviário (Contel, 2012). São exemplos de estruturas utilizadas pelas companhias de transporte rodoviário de passageiros: as garagens, os pontos de apoio, os terminais rodoviários, as rodovias, as balanças de pesagem para veículos de carga, agências de venda de passagens, entre outras. “O conjunto de fixos, naturais e sociais, formam sistemas de engenharia” (Santos, 1991: 79).

Os avanços técnicos permitiram maior regulação por parte da ANTT ao passo que otimizaram as operações das empresas autorizatárias. Todavia, os avanços tecnológicos e a intensificação do uso de smartphones em partes do território brasileiro propiciou a ascensão de empresas de tecnologia que passaram a ofertar serviços de transporte via plataformas de compartilhamento de viagens. Companhias como Uber e 99 iniciaram suas atividades a partir da oferta de deslocamentos para passageiros em automóveis particulares.

Tal lógica se estendeu ao transporte coletivo rodoviário de passageiros, com o surgimento da Buser no ano de 2017, empresa de tecnologia que oferta viagens para grupos de usuários que procuram por determinados trajetos. A empresa elaborou um aplicativo que oferece viagens entre duas cidades em um conjunto preestabelecido de horários. Logo, as operações da Buser geraram embates entre a companhia e as empresas operadoras do serviço regular.

Verifica-se que este recente processo ocasionou uma transformação dentro da atividade de transporte com as novas divisões do trabalho em um regime de acumulação flexível. Ou seja, a entrada de agentes como a Buser resultou em rearranjos por parte das empresas do serviço regular, que num primeiro momento recorreram à Justiça para interromper as atividades da startup.1 Essas recentes transformações na circulação rodoviária em âmbito nacional compõem o debate realizado por este artigo. Para abordar essa temática, centramos nossas reflexões no transporte rodoviário de passageiros, na inserção das técnicas informacionais e nas transformações em curso com a entrada de operações realizadas por novas empresas como a Buser, 4bus, Levebus etc.

O artigo está estruturado em quatro partes, além da introdução, das considerações finais e das referências. O primeiro item discute os aspectos teóricos, normativos e operacionais do transporte rodoviário de passageiros, ao passo que o segundo tópico aborda os avanços técnicos nos transportes e a utilização recente de aplicativos para aquisição de passagens, atentando para a não fixação de capital de novos agentes transportadores que se colocam como plataformas de intermediação entre passageiros e empresas de fretamento.

O terceiro tópico discute a formação de um novo híbrido e os embates decorrentes da operação desses novos agentes no transporte, ao passo que o quarto item aponta para as derivações do chamado “fretamento compartilhado”, que no Brasil tem tido a entrada de novas plataformas operadoras, como a 4Bus, empresa catarinense, e a LeveBus, companhia gaúcha.

A necessidade dessa abordagem parte da contemporaneidade do processo que está em movimento e tem repercutido no transporte rodoviário de passageiros regular, além de ocasionar impasses com as empresas já atuantes.

Os debates sobre o transporte “sempre for(am) colocada(s) no interior de construções teóricas de maior envergadura, entre neoclássicos e marginalistas, deste o funcionalismo ao culturalismo chegando ao estruturalismo. Os campos de partida eram diversos, desde descrições geográficas até preocupações políticas” (Henry, 1995:45) e uma compreensão sobre os processos recentes se torna um desafio pela ausência de bibliografia sobre os temas emergentes.

Para compreender as dinâmicas do transporte rodoviário de passageiros foram realizados inicialmente uma revisão de bibliografia em teses e dissertações de mestrado, artigos científicos e em livros. Um segundo levantamento de textos foi realizado em site de notícias e de agências reguladoras para fins de obtenção de dados e informações. Por fim, foram realizados sistematizações e esquemas representativos para elucidar a discussão.

A temática do transporte rodoviário de passageiros se fez presente nos ensaios geográficos de Oliveira Neto e Nogueira (2017) numa perspectiva da economia política dos transportes, enquanto Oliveira Neto (2018) abordou os transportes em uma discussão que se encaminhou por uma abordagem mediada pela geografia cultural. Nos trabalhos de Santos (2015, 2018 e 2019) é feita uma discussão histórica a partir da análise da divisão territorial do trabalho e do papel dessa atividade no deslocamento de pessoas primeiramente entre São Paulo/SP e o norte do Paraná e posteriormente das regiões do Sudeste e Sul para as áreas de expansão da fronteira agrícola, ao passo que Lemos (2019) analisa os papéis urbanos e o transporte rodoviário de passageiros em cidades catarinenses como Chapecó e São Miguel do Oeste. Almeida (2000, 2006) analisou os monopólios e atuação das empresas no Nordeste. Esses trabalhos e outros como os de Wright (1982, 1990), Bey e Pons (1991) e Henry (1995, 1997) foram utilizados como guia para compreender o processo atual de transformação das atividades de transporte.

Aspectos teóricos, normativos e operacionais do transporte de passageiros

O transporte rodoviário de passageiros está inscrito no espaço geográfico, que pode ser entendido como “a soma indissociável entre sistemas de objetos e sistemas de ações” (Santos, 2013: 87). A miríade de deslocamentos pode ser compreendida a partir de reflexões sobre a divisão territorial do trabalho. Tal categoria “constitui um motor da vida social e da diferenciação espacial” (Santos, 2017: 129), pois os lugares são hierarquizados e em função disto se redefine a capacidade de ação das firmas, instituições e pessoas. A divisão territorial do trabalho é fruto de uma organização deliberada, o que expressa a importância da organização do espaço pelos agentes que o produzem (Santos, 2013; 2017).

O transporte rodoviário de passageiros é um tipo de sistema formado pelos fixos, que são os instrumentos que permitem a operacionalização do serviço. Estes podem estar fixados, como rodovias, terminais rodoviários e pontos de apoio; ou serem móveis, como os veículos que circulam pelas vias. Esses fixos configuram um conjunto de fluxos: deslocamentos efetuados por cargas e passageiros que interligam um conjunto de centros inseridos em uma rede geográfica. “Os fixos são os próprios instrumentos de trabalho e as forças produtivas em geral, incluindo a massa dos homens. (...) Os fluxos são o movimento, a circulação e assim eles nos dão, também, a explicação dos fenômenos da distribuição e do consumo” (Santos, 2014: 86).

Os fixos especializados para o transporte rodoviário podem ser classificados em públicos (postos de fiscalização da Receita Federal, Polícia Rodoviária Federal), concedidos (praças de pedágio e pontos de apoio de concessionárias de rodovias), privados (pontos de apoio das empresas -garagens, oficinas, e pontos de parada para descanso de passageiros e motoristas- restaurantes e postos de serviço), ou “mistos” (públicos ou concedidos), como os terminais rodoviários, que são construídos em grande parte pelas prefeituras e podem ser administrados pela própria entidade municipal como por empresas privadas mediante regime de concessão (Santos, 2019). Ou seja, a construção de fixos especializados é feita mormente pelo Estado, que segundo Silveira (2019: 25-26):

Atua no desenvolvimento de estratégias, planejamento e gestão da fluidez para alagar a competitividade territorial (logística de Estado), pelo meio de ações diversas, como a dos sistemas de normas e tributação (normatização e tributação), além de realizar concretamente sistemas de engenharia (infraestruturas), que as viabilizam (...) as corporações, empresas que procuram otimizar seus ganhos, diminuindo custos de produção e conquistando novos mercados, buscam territórios mais fluidos infraestruturalmente, normativamente e tributariamente para atuar (…).

A atividade de transporte de passageiros em ônibus se desdobra dentro de um conjunto de normas e de ações do Estado, com a estruturação de sistemas de engenharia (rodovias, pontes, viadutos, etc.) que permitem os fluxos entre as cidades e entre as regiões políticas do Brasil e até uma circulação entre países. Também ocorre a participação do Estado na montagem dos terminais rodoviários que centralizam o início e o término das viagens, além de um conjunto de serviços aos passageiros.

Tais infraestruturas configuram redes, tais como a rede rodoviária, que está intimamente ligada com a rede urbana, que é um dos principais tipos de redes consagrados pelos estudos geográficos, definida por Corrêa (2006b: 311) como um “conjunto de centros funcionalmente articulados entre si”. As redes rodoviária e urbana são geográficas, pois assumem diversas formas de manifestação, tornando-se ainda progressivamente mais importantes. A divisão territorial do trabalho em escala crescentemente mundializada só é possível a partir de numerosas redes técnicas engendradas no bojo da expansão capitalista” (Corrêa, 1997: 108).

As redes de transporte, segundo Bey e Pons (1991), constituem um sistema arterial de organização territorial com uma fluidez de mercadorias, de pessoas e de informações que organizam em nível regional um conjunto de fluxos entre cidades e regiões. As próprias “las redes de transporte y comunicación están fuertemente entrelazadas con los territorios” (Pons e Bey, 1991: 47).

Essa base construída em tempos pretéritos é o lócus das ações recentes das empresas com alta carga técnica em suas atividades econômicas, já que a estrutura fundamental está pronta e tem maior valor agregado (o material fixo). Já o material rodante constitui uma face dos investimentos que não são necessariamente estatais, mas do capital das empresas.

Embora as redes técnicas sejam de extrema importância para a operação atual do transporte rodoviário de passageiros, durante o início da atividade no Brasil, a partir da década de 1920, o setor prescindiu, em certa medida, de infraestruturas mais aprimoradas, pois o ônibus não requer necessariamente um pavimento específico para circular. Seja em vias de “terra batida”, seja em rodovias duplicadas, a flexibilidade do veículo rodoviário permite que suas operações ocorram sem a necessidade de estruturas previamente estabelecidas. Os embarques e desembarques podem ser realizados em terminais rodoviários ou ainda em abrigos às margens das vias, o que difere, por exemplo, do transporte ferroviário, que demanda a construção de estações de embarque para a operação dos trens.

Diante de tais elementos, nota-se que o ônibus foi um “facilitador dos deslocamentos, sobretudo os de longa distância” (Santos, 2019:65), favorecendo deslocamentos migratórios entre as regiões e entre os estados (Almeida, Ribeiro, 1989). Ademais, “a evolução da rede rodoviária propiciou ao transporte rodoviário de passageiros o alargamento de sua área de atuação, pois os fluxos de pessoas se intensificam conforme o avanço das infraestruturas e da urbanização no território brasileiro” (Santos, 2019: 30).

O Estado, que é um importante produtor de espaço, também produz as normas (Moraes, 2003; Antas Jr, 2005), para regular a circulação internamente e entre os países a fim de garantir a fluidez territorial das mercadorias e das pessoas entre lugares distintos do território.

Wright aponta que a regulamentação econômica dos transportes é constituída pela atuação dos órgãos de governo que determinam “quais firmas terão acesso a determinado mercado de transportes, como estar firmas dividirão esse mercado entre si, e quanto cobrarão por seus serviços” (1982: 130).

A principal hipótese para a regulamentação do transporte de passageiros está calcada na possibilidade de manter um serviço com um bom nível e de forma estável. No entanto, essa hipótese apresenta incongruências. Segundo Wright (1982: 131) “as modalidades de transporte sem regulamentação econômica têm apresentado menores custos e melhores padrões de serviço que as modalidades regulamentadas” e a finalidade seria de esconder os interesses econômicos das empresas que já operam nas rotas estabelecidas.

Wright destaca que o transporte rodoviário de passageiros possui algumas particularidades constituídas na regulamentação econômica, onde as linhas são fixas, “o que leva cada empresa a querer ‘demarcar o seu território’ e evitar os competidores”. Os usuários não negociam o preço das passagens, o que reduz a possibilidade de competição desleal entre empresas como iniciar uma viagem antes do horário programado e chegar antes do horário previsto no término da viagem (1982: 139).

Wright (1990) afirma que “na ausência de regulamentação econômica, os usuários, mediante sua escolha de empresa, horários e veículos, implicitamente ‘negociam’ com as empresas de ônibus a qualidade de cada uma dessas características” e com o advento da regulação econômica essa possível negociação é realizada entre órgão regulado e empresas.

As justificativas para a regulação consistem em: a competição poderia ocasionar uma concorrência predatória e uma degradação da qualidade do serviço; ter segurança de investimento com retorno assegurado pela manutenção da atividade (Wright, 1990). Uma das alternativas já apontadas por Wright consiste numa regulação modificada para fins de “corrigir distorções porventura identificadas sob o regime vigente” (p.11).

As empresas que atuam no transporte rodoviário de passageiros nos deslocamentos intermunicipal e interestadual centralizam uma diversidade de linhas e de operações em poucas companhias. Estas formam grandes grupos de atuação territorial que extrapolam as dimensões de regiões e por vezes operam em linhas no regime de monopólio. A rigor, “as empresas regulamentadas do transporte rodoviário conseguem gerar lucros monopolistas de regulamentação através das barreiras ao ingresso de novas firmas e da fixação de tarifas maiores” (Wright, 1982: 150).

O Estado atua como ente regulador das atividades de transportes. Contudo, a partir da década de 1990, em que o neoliberalismo percolou as políticas estatais para diversos setores, como infraestrutura e transportes, o Estado abre mão de suas funções reguladoras, com a criação de autarquias que possuem autonomia em relação ao Poder Público e surgem com a prerrogativa de atender às demandas do Estado, do setor privado e da sociedade. São criadas no Brasil diversas agências reguladoras, como a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), entre outras.

A Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) é a responsável pela regulação de todos os transportes de cargas e passageiros realizados nos modais ferroviário e rodoviário. Todas as modalidades que efetuam deslocamentos de passageiros no âmbito interestadual e internacional são reguladas pela agência, ao passo que o transporte rodoviário intermunicipal realizado no âmbito das unidades federativas é regulado por agências estaduais ou departamentos de estradas de rodagem (DERs). Conforme o artigo segundo, inciso 24, da resolução número 4.770, de 25 de junho de 2015, o transporte rodoviário coletivo de passageiros é um “serviço de transporte operado com ônibus, que compreende o transporte regular coletivo de passageiros (urbano, intermunicipal, interestadual, internacional), e fretamento, autorizados pelo Poder Público” (ANTT, 2015).

Tal ação varia em cada modalidade e no caso do transporte rodoviário de passageiros possui duas modalidades, a primeira delas pelo transporte em linhas rodoviárias entre pontos distintos do território com início e fim em um terminal rodoviário, com passagens, horários de início, frequência e empresas reguladas pelas agências estaduais e nacional com uma frota total de 28.505 ônibus (ANTT, 2020a) enquanto que ainda existe uma modalidade de transporte de fretamento composto por uma diversidade de empresas rodoviárias que realizam as viagens e com 32.739 ônibus (ANTT, 2020b).

Segundo a ANTT, são três modalidades de fretamento definidas pelo artigo terceiro da resolução número 4.777, de 06/07/2015. Há também a modalidade de transporte próprio, que não se enquadra como serviço fretado:

1) - Fretamento turístico: o serviço prestado por autorizatária, para deslocamento de pessoas em circuito fechado, com exceção dos casos previstos nesta Resolução, em caráter ocasional, com relação de passageiros transportados e emissão de nota fiscal de acordo com as características da viagem, que deverá ser realizada conforme as modalidades turísticas definidas em legislação;

2) - Fretamento eventual: o serviço prestado por autorizatária, para deslocamento de pessoas em circuito fechado, com exceção dos casos previstos nesta Resolução, em caráter ocasional, com relação de passageiros transportados e emissão de nota fiscal de acordo com as características da viagem, que ocorrerá sem interesse turístico;

3) - Fretamento contínuo: o serviço prestado por autorizatária, para deslocamento de pessoas em circuito fechado, por período determinado, com quantidade de viagens, frequência e horários pré-estabelecidos, com relação de passageiros transportados, firmado por meio de contrato registrado em cartório, destinado ao transporte de empregados ou colaboradores de pessoa jurídica, de docentes, discentes e técnicos de instituição de ensino, de associados de agremiação estudantil ou associação legalmente constituída e de servidores e empregados de entidade governamental que não estiver utilizando veículo oficial ou por ela arrendado;

4) - Transporte próprio: viagem realizada sem fins comerciais e sem ônus para os passageiros, desde que comprovadamente os passageiros mantenham vínculo empregatício ou familiar com a autorizatária ou com o transportador” (ANTT, 2015).

Segundo a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), a principal diferença entre o transporte por fretamento e as linhas regulares é que o primeiro ocorre em caráter privado e é oferecido para atender a um grupo “específico e predeterminado (que tem origem ou destino comum), não sendo uma modalidade aberta ao público em geral, como ocorre com o transporte público coletivo”, além de ser “um serviço que não está sujeito à regulação de preços e, portanto, não busca a modicidade tarifária que, assim como a obrigação de universalização e continuidade, é tão característica do transporte público” (CNT, 2017: 15). Ou seja, no transporte por fretamento o preço pago pelo deslocamento é definido conforme cada contrato estabelecido pelo contratante e pela empresa contratada.

As principais características do transporte rodoviário de passageiros na modalidade regular são: horários estabelecidos para o início e fim das viagens; oferecimento de gratuidade para idosos e pessoas de baixa renda; início e término das viagens em terminais rodoviários e valor das passagens é pré-determinado pela agência reguladora nacional, podendo ter variações oriundas de promoções, do tipo do veículo e de pavimento. Nos coletivos ocorre o transporte de encomendas nos bagageiros.

Wright (1990) e Oliveira Neto e Nogueira (2017), apontam para o embate entre empresas de fretamento e empresas do transporte rodoviário de passageiros que operam em linhas regulamentadas pelas instituições do Estado, pois as viagens de fretamento possuem autorização e outras nem se quer possuem autorização de instituição de fiscalização (não-regular). Ainda que se trate de operações esporádicas, essas viagens consistem em uma preocupação para as empresas que operam nas linhas e não querem dividir clientes.

O processo da globalização define novas formas de intercâmbio entre as diferentes frações territoriais com novos fluxos e a nova atuação empresarial nos transportes para ampliar a capilaridade e reduzir o tempo de deslocamento gerou um primeiro conjunto de transformações. O período atual das relações sociais de produção e do meio-técnico-cientifico-informacional (Santos, 2013) constitui um conjunto complexo de novas técnicas que fazem parte não somente das formas de se operar e de conduzir a fluidez no território, como se insere novas normas e racionalidades com a união indissociável de diversas técnicas presentes nos veículos, nas estruturas fixas e nos aparelhos de telefonia móvel.

A inserção de novas técnicas, que são capazes de estabelecer conexões entre diferentes meios técnicos para além dos veículos, cria novas racionalidades não mais centradas no controle dos condutores, mas numa racionalidade baseada na geração e transferência de informações constante e simultaneamente entre o veículo e o centro de dados, com o monitoramento do condutor do veículo, com a identificação do lugar com as coordenadas geográficas de latitude e de longitude, e também com um conjunto de informações da operacionalidade que passa a ser transmitido e armazenado para fins de controle sobre quem opera. Os dados coletados são utilizados para estabelecer diretrizes voltadas para a redução de custos operacionais e o acompanhamento do desempenho dos conjuntos técnicos da máquina pelos fabricantes e operadores, efetuando um duplo controle de monitoramento.

Os fluxos e seus respectivos mecanismos de monitoramento geram uma rede de circulação controlada por empresas e pelo Estado. Na primeira, o controle consiste em fins empresariais, enquanto no segundo o controle visa a manutenção do funcionamento da atividade para reduzir empecilhos sociais e econômicos com a garantia de manutenção dos empreendimentos econômicos.

A atividade de transporte se torna cada vez mais instrumentalizada e imbuída de técnica, atrelada a um capital que “(...) chega, aliás, a toda parte apoiado pela expansão da rede de estradas (...) que vão assegurar uma circulação mais rápida e relativamente mais barata (...)” (Santos, 1991: 43).

Santos ainda destaca que “os transportes e as comunicações conheceram grandes avanços nos países subdesenvolvidos – por exemplo, os processos maiores obtidos através do ônibus e do automóvel e os fluxos podem intensificar-se graças a sua maior flexibilidade (...)” (Santos, 1991: 56). Podemos observar tais dinâmicas no Brasil com a construção das rodovias e a expansão das linhas rodoviárias entre as décadas de 1960 e 1970.

A expansão e “a melhoria das estradas e dos veículos, os encontros de combustíveis mais baratos representam modernizações que permitem a diminuição dos custos” (Santos, 1991: 56) e a inserção contínua de diversos elementos técnicos nos transportes é um dos maiores contribuintes atuais para a continuidade da redução de custos.

Pons e Bey (1991) destacam que o aumento da circulação deriva do desenvolvimento tecnológico que propiciou a conectividade entre os lugares e as relações sistemáticas entre ciência e técnica, que permitem uma variedade de conexões interescalares.

Finalmente, verifica-se que Almeida buscou compreender como “as estruturas empresariais atuam na forma de prestação de serviços por força da concessão pública” com a formação de grandes empresas (2006: 70), algo que a partir de 2017 conheceu uma nova dinâmica, com o surgimento da Buser, empresa de aplicativo de transporte de passageiros que atua sem a força da “concessão pública”, criando uma territorialidade sem ato concedido por alguma agência reguladora com concentração do oferecimento dos serviços por poucas empresas.

Avanços técnicos nos transportes e os aplicativos

Compreende-se por técnica como “um conjunto de meios instrumentais e sociais com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço” (Santos, 2017:29) e no que concerne aos transportes, as técnicas estão presentes nos diversos elementos que compõem as redes físicas e os fluxos, estando presentes em diversas frações territoriais com mais ou menos elementos técnicos. A rigor, os fluxos nos transportes não se dão apenas pelos deslocamentos realizados de maneira isolada pelos condutores, o próprio ato de conduzir os veículos ocorre mediante a um conjunto de técnicas de monitoramento e de normas das agências de trânsito e principalmente as reguladoras.

Santos destaca que “a atual revolução técnica dá um lugar proeminente à informação” (2017: 36), e que qualquer análise do espaço geográfico não deve considerar somente a técnica informal, mas deve incluir um conjunto das técnicas, pois uma técnica não opera isoladamente, mas de forma imbricada com outras. Um ônibus não realiza uma viagem, seja em fretamento ou entre estações rodoviárias, sem um conjunto de técnicas que operam mutuamente, como Sistema de Posicionamento Global (Global Position System-GPS), controle de estabilidade, controle de frenagem, mudança de marcha conforme as informações oriundas de um computador, sensores de estacionamento e de mudança de faixa, tacógrafo, entre outras, com objetivo central de reduzir o custo operacional e aprimorar a condução do veículo.

A inserção das técnicas, mais precisamente as informacionais, ocorreu em todos os modais de transportes e em todas as atividades de transportes de passageiros e cargas, como em uma área de mineração com o controle e monitoramento dos veículos fora de estrada, das locomotivas, dos navios, etc. Em todos os circuitos espaciais da produção em que o transporte desempenha um papel fundamental há uma inserção de técnicas que permite um conjunto amplo de informações dos veículos e do deslocamento das cargas, ao passo que no transporte de passageiros há o monitoramento dos ônibus. Os avanços técnicos foram capazes de criar novas divisões do trabalho pautadas em novas formas de acumulação.

O meio informacional nos transportes está atrelado a inserção da virtualidade com base em mapas da realidade embutidos em diversos aparelhos eletrônicos como smartphones, notebooks, tablets etc. A pulverização do uso de celulares de telefonia móvel do tipo smartphones possibilitou que serviços fossem criados com compras realizadas com o uso do aparelho, assim como constituiu novas atividades econômicas como o transporte de passageiros e compra e entrega de refeições.

Esse conjunto de aparelhos, somado ao mapeamento da superfície terrestre, a pulverização de veículos e de aparelhos, e também o surgimento de empresas que oferecem serviços que reúnem essa diversidade técnica, é capaz de explorar uma dada atividade econômica e de impor novas racionalidades constituídas em usos e de trabalho centradas no conjunto de normas da empresa.

Os avanços técnicos e a reestruturação produtiva, em especial das atividades de serviços, estão associadas à inserção do aspecto informacional que possibilitou conectar diferentes objetos técnicos e sincronizar operações conforme as demandas de mercado em um gerenciamento constituído pela vinculação entre empresas que possuem ônibus e a empresa responsável pelo aplicativo.

As informações, como apontou Almeida, “tornam-se pois em conjuntos de dados que especificam aspectos cruciais da realidade, os quais vinculados à dimensão espacial permite-se tratar como processo de gestão do território” por parte das empresas que conseguem estabelecer o controle e a atual forma de organização empresarial “primam pela racionalidade da informação como ato da administração para a articulação estratégica” (2006: 69).

O movimento da atuação das empresas por aplicativo possui elementos de um contexto econômico atual centrado na flexibilidade no oferecimento dos serviços, sem vínculo direto com a mão de obra e com a presença de fundos de investimento. A atuação ocorre sem um guarda-chuva normativo completo e emerge no momento de recessão econômica oferecendo serviços com custos inferiores aos existentes “criando” alguns empregos.

Destaca-se no contexto atual da evolução dos transportes, associadas ao meio-técnico-cientifico-informacional, a inserção de novas modalidades de empresas em nível global com atuação local, mas presente em várias cidades de um país e em diversos países, como o caso da Uber, 99, etc., que foram precursoras de um processo de inserção de aplicativos nos transportes.

A operação de transporte rodoviário de passageiros teve alterações fundamentais nas atividades a partir da introdução de alguns meios técnicos e a expansão das empresas privadas startups de transporte por aplicativo, um processo que é global (Tozi, 2018). Um dos exemplos é o caso da Flixbus2 fundada na Alemanha em 2013 e atualmente operando em 400 mil viagens para cerca de 2.500 destinos em 29 países da Europa (Flixbus, 2020a). A empresa é oriunda da criação de 3 jovens -Jochen Engert, Daniel Krauss e André Schwämmlein- que desenvolveram um aplicativo e site de viagens na forma de startup de tecnologia, comércio eletrônico e transporte de pessoas, com frota de ônibus oriunda de 300 empresas de vários locais da Europa (Flixbus, 2020b) que inicia a maioria de suas viagens na Europa em alguma rua de alguma cidade, muita das vezes sem nenhuma estrutura fixa como construções cobertas e similares.

Além da atuação na Europa, a empresa adentrou no mercado norte-americano no ano de 2018 operando serviços com empresas já estabelecidas, como a Greyhound Lines, mas mantendo a estrutura de não possuir ônibus, estabelecendo as viagens pelo aplicativo de reserva e contratando empresas de pequeno e médio porte para realizar os deslocamentos (Larino, 2019).

A empresa Megabus segue a mesma lógica das companhias aéreas low-cost, com viagens baratas e minimamente confortáveis com operações no Reino Unido, Estados Unidos e Canadá. Recentemente a companhia realizou a incorporação da FlixBus ampliando sua atuação territorial (Schlickmann, 2018).

Até o primeiro bimestre de 2020, a empresa Buser era o principal agente no Brasil no segmento de transporte de passageiros em ônibus na modalidade de aplicativo. Suas atividades se iniciaram em 7 de julho de 2017. A empresa foi fundada por Marcelo Coelho de Castro Vasconcellos e Marcelo Vieira Arrita,3 e suas operações logo chamaram atenção de fundos de investimento em startups resultando na primeira articulação com três fundos de investimentos: Canary, Yellow Ventures e Fundação Estudar Alumni Partners. No ano de 2019 teve a inclusão da Softbank4 e dos fundos Monashees, Valor Capital Group e Grupo Globo (Fonseca, 2019). Apesar de ter elementos semelhantes a FlixBus-MegaBus, a Buser oferece um serviço com passagens mais baratas sem ser low-cost, como é o caso das empresas que atuam na Europa e América do Norte.

A expansão da empresa está vinculada a alguns aspectos: operação conforme a demanda; os veículos iniciam e terminam as viagens fora das rodoviárias; operação com veículos de fretamento de diversas empresas; destinos com valores inferiores aos praticados pelas empresas regulares nos terminais rodoviários; conectividade entre empresas e passageiros de forma informacional pelas técnicas e investimentos maciços em marketing.

Wright menciona que “as atuais ‘empresas de ônibus’ típicas se iniciaram com apenas um veículo, dirigido pelo proprietário” (1990: 5), algo completamente diferente da Buser que opera com a participação de empresas de fretamento que locam sua frota para as viagens realizadas pela companhia.

A operação realizada pela Buser ocorre na forma de fretamento compartilhado/colaborativo com o valor das passagens estabelecido na quantidade de pessoas com interesses de realizar o mesmo percurso. O valor total do serviço de transporte é divido entre os passageiros e o valor das viagens para os passageiros não é fixo. Caso a quantidade mínima não seja alcançada ou surja algum problema na viagem, a empresa reembolsa as pessoas que realizaram a compra do serviço e cancela o trajeto.

Atualmente a Buser opera em 50 cidades de oito estados, deslocando aproximadamente 2,3 mil pessoas diariamente em uma frota de 100 ônibus oriundos de 100 distintas empresas, com os motoristas vinculados a estas (Fonseca, 2019).

Na relação construída entre empresa de aplicativo e empresa detentora dos ônibus, somente a última emprega os funcionários -mecânico, motorista e cobrador- ou seja, nota-se um processo de aprofundamento da terceirização que consiste em um procedimento realizado pelas empresas privadas com o objetivo de otimizar atividades e encurtar o processo circulatório do capital, sendo um processo em que a empresa “visando alcançar a redução de custos, assim como maior qualidade e produção, repassa a outra a função de serviço ou de produção de bens” (Silveira, Felipe Junior, 2018: 420). A terceirização fomenta uma “rede entre firmas” (Silveira, Felipe Junior, 2018: 429) constituindo em um “círculo de cooperação” (Santos, 1997: 50).

A existência de círculos de cooperação nos transportes de passageiros não é algo novo, pois essa prática é recorrente há décadas com a existência de parcerias entre empresas para a realização do transporte. Em momentos de ampliação na demanda, como feriados prolongados e períodos de férias escolares, as empresas regulares alugam ônibus de companhias de fretamento para efetuar viagens “extras”, com a finalidade de ofertar lugares adicionais para os passageiros.

Contudo, a utilização desta prática por parte das empresas regulares é prevista pela Agência Nacional dos Transportes Terrestres, que permite a utilização de “veículos extras” em horários “extraordinários”, que são abertos para a comercialização de passagens em momentos de alta demanda. Ressalta-se, portanto, que este procedimento é utilizado pela Buser rotineiramente, já que esta não possui frota própria.

A inserção de um quadro de racionalidade que se lança numa organização entre empresas é diferente dos aplicativos de transporte para automóveis particulares, pois a relação no segundo é centrada entre empresa de aplicativo e motorista, ao passo que no primeiro caso a relação se dá entre a companhia do aplicativo e as empresas que possuem ônibus para fretamento. Essa nova racionalidade impõe formas de organização que diferem do transporte rodoviário de passageiros regulamentado pela ANTT.

As operações da Buser seguiram uma tendência crescente de viagens. Segundo a CNT “nos últimos anos, tem crescido no Brasil o serviço de fretamento. Essa modalidade permite os deslocamentos de grupos fechados, com itinerários fixos e flexibilidade de horários, como viagens de turismo, excursões e transporte de funcionários” (2015: 5).

A CNT (2017) aponta que o transporte por fretamento está centrado na modalidade de transporte coletivo privado com um fluxo de pessoas de origem e destino comum, não sendo aberto para o público em geral, podendo ter deslocamentos municipais, intermunicipais, interestadual e internacional. As operações devem ser informadas ao órgão responsável como viagens nas modalidades continuo, eventual e turística. Ainda pontua:

(...) o transporte de passageiros em regime de fretamento surgiu e se consolidou como uma modalidade intermediária entre os transportes públicos coletivo e o privado individual, caracterizando-se como um serviço de transporte coletivo, porém de caráter privado, que mescla atributos desejáveis de ambas modalidades. Trata-se de um serviço fechado, especializado e flexível, destinado ao transporte de pessoas com origem ou destino comum (...) (CNT, 2017: 8).

O que permite a realização das atividades de fretamento como estas “prestadas sob o regime de autorização, não caracterizam serviços públicos, mas sim atividades privadas de interesse público” (CNT, 2017: 27) o que abre margem para as operações da Buser e da 4Bus com viagens coletivas compartilhadas.

Os serviços prestados por empresas que atendem à Buser configuram, em última análise, deslocamentos regulares que atendem majoritariamente apenas duas cidades que apresentam as maiores demandas de passageiros, não ofertando o serviço para as cidades menores ao longo do trajeto, algo que ocorre em grande parte das linhas rodoviárias regulamentadas. As linhas regulares atendem a uma diversidade de cidades pequenas e médias, tendo uma função social relevante para os cidadãos (Santos, 2019).

A rigor, as transformações contemporâneas são velozes e a estrutura normativa não possui a inclusão de novas regras, o que gera um descompasso entre a inserção das atividades e um instrumento normativo para “regular”. Tal acontecimento pode estar associado na própria forma como o direito é pensado no Brasil no sistema romano- germânico, com normatizações e leis feitas antes dos processos, enquanto que no sistema Common Law as normas são criadas conforme o aparecimento de empecilhos.5

Antas Jr. (2005: 60) aponta que “o monismo jurídico do ocidente é apenas aparente”, pois as novas empresas associadas ao uso da técnica e da informação criam novas lógicas de funcionamento de atividades estruturadas sob uma nova estrutura normativa e que influem sobre as dinâmicas sociais já existentes como o caso dos transportes de passageiros.

O funcionamento das operações para o transporte de pessoas por meio de aplicativos tem implicações territoriais, pois passa a requerer uma organização que contemple: as infraestruturas que asseguram os fluxos dos veículos, como as estradas e um conjunto de fixos que permite a fluidez das informações; uma infraestrutura viária urbana que possibilita a mobilidade das pessoas até o início das viagens, a execução das operações sem interferência jurídica ou de atores econômicos e o estabelecimento de acordos, patrocínios e aporte de recursos com instituições do mercado financeiro.

A atuação das empresas com oferecimento de viagens, como o caso da Buser, que multiplicou e expandiu sua atuação com viagens de “fretamento compartilhado” e suas operações de transporte, ocorre mediante a existência de demandas e de infraestruturas fixas que podem ser estradas e áreas urbanas específicas para iniciar o terminar uma viagem, como uma rua, um shopping, um posto de combustível, etc.

A distribuição espacial das viagens da Buser segue os eixos de maior rentabilidade ou ligações entre frações territoriais densamente povoadas com rotas que se concentram nos estados da Região Concentrada, como Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná, além de alguns estados do Nordeste como Bahia, Sergipe, Pernambuco, Ceará, entre outros. Há ainda a operação em cidades do Centro-Oeste como Goiânia/GO e Brasília/DF. A companhia atende a capitais destes estados e também cidades de porte médio que são importantes polos regionais, como Ipatinga/MG, São José do Rio Preto/SP, Campinas/SP, Uberlândia/MG, entre outras. Ou seja, trata-se de uma operação altamente seletiva, que desconsidera a função social do transporte, que é a de prover deslocamentos com uma frequência que atenda à população de cidades de todos os portes na rede urbana nacional.

A lógica de atuação segue o padrão consolidado do povoamento do território brasileiro, onde a densidade de sistemas de engenharia com rodovias asfaltadas, presença de empresas com ônibus disponíveis para realizar as viagens e pessoas querendo se deslocar de uma cidade6 para outra são alguns dos elementos fundamentais para a existência das operações.

Essa característica faz parte do momento atual em que a inserção de empresas como a Buser acontece sem a montagem de infraestruturas fixas como nas operações das linhas rodoviárias das empresas que dependem da existência de pontos de apoio como restaurantes, garagens e rodoviárias para as operações se realizarem, enquanto nessa nova modalidade, a localização de parte das operações passa a ser sem local fixo, e é determinado pela empresa e não por uma agência reguladora.

A inserção das operações da Buser teve o uso mercadológico da necessidade de pessoas de viajar e de oferecer ônibus via aplicativos com passagens em valores inferiores do que nas rodoviárias, aglutinando um número de empresas de fretamento e que possuíam frota com veículos ociosos que estão condicionados a realização de viagens no período de alta demanda, como férias escolares e feriados prolongados.

As operações estão condicionadas a diversos elementos: ampliação do uso de celulares smartphone, disponibilidade do aplicativo para download gratuito, pagamento com uso de cartão de crédito pelo aplicativo, empresas de ônibus de fretamento “vinculadas” a Buser, a não necessidade de realizar viagens de retorno, não necessidade de permanência do veículo parado por horas ou dias no local de fim da viagem como ocorre em alguns fretamentos, não pagamento de taxas de embarque em terminais rodoviários, divulgação dos serviços e da marca em outdoors e no patrocínio de times de futebol (Figura 1).

Figura 1. Buser: a) e b) marca da empresa na camisa do time Flamengo. Fonte: Esporte Interativo, 2019; c) propaganda em redes sociais. Fonte: BUSER, 2019; d) ônibus caracterizado com as cores e nome da empresa. Fonte: Oliveira Neto, T., 2020; e) camisa do Botafogo com o logo da Buser. Fonte: Terra, 2019; f) camisa do time. Fonte: Vitor Silva - BOL, 2020; g) marca da empresa na camisa. Fonte: Esporte Interativo, 2019. Organização e elaboração: Oliveira Neto, T., 2020.

Para fins de divulgação, a empresa passou, a partir de julho de 2019, a patrocinar o time de futebol brasileiro Flamengo (Figuras 1 a - b) que estampou nas mangas da camisa o nome da empresa de aplicativo tanto no time masculino quanto feminino (Flamengo, 2019). No mês de outubro do mesmo ano, outro time de futebol brasileiro anunciou a empresa Buser como um dos novos patrocinadores do Botafogo (Figura 1 f), estampando a marca da empresa nos ombros da camisa ao final da temporada do futebol brasileiro (Terra, 2019).

A estratégia de ampliação da atuação territorial ocorre também com a redução dos valores dos deslocamentos quando a empresa passa atuar numa nova cidade como forma de estabelecer um mercado formado por novos clientes.

Considerando a organização espacial, cada atividade dos transportes vai possuir uma dada configuração com fluxos, pontos de apoio e terminais do início e término das viagens. Uma das mudanças de ordem espacial é a organização das operações, que no caso do transporte rodoviário intermunicipal e interestadual possuem a obrigatoriedade de embarque inicial e desembarque final em terminais rodoviários, enquanto as operações da Buser prescindem de tais fixos7 (Figura 2).

Figura 2. Diferentes objetos geográficos nas viagens: a) transporte em linhas; b) sistema de fretamento ou fretamento colaborativo. Organização e elaboração: Oliveira Neto, T., 2020.

As operações da Buser, por um lado, constituem em um rompimento dos monopólios existentes nas operações tradicionais das empresas de ônibus. Porém, por outro lado, institui-se uma operação que “foge” ao processo regulatório do Estado e a estrutura de funcionamento das operações rodoviárias.

A instituição também tem novas normas de usos do território pautadas nas operações que seguem o controle da empresa de aplicativo com a subordinação das empresas detentoras das frotas de veículos rodoviários de fretamento e impõem ainda os pontos de início e fim das viagens que não seguem a lógica das linhas rodoviárias.

Não fixação de capital e os serviços nas rodoviárias

Com a realização de 20 mil embarques e desembarques por mês no Rio de Janeiro, a empresa Buser passou a criar um ponto específico para essas operações, antes realizadas em um posto de combustível passando a ter como ponto de início ou de fim das viagens um shopping e um estacionamento com a colocação de um container (Lima, 2019).

Esse aspecto denota três situações. A primeira, a quantidade de embarques e desembarques; a segunda, os pontos de paradas que costumam ser constituídos por estacionamento de shoppings, postos de combustíveis e ruas situadas em lugares de concentração de atividades comerciais ou residenciais; o terceiro aspecto é a não fixação de capital em um lugar, pois para a realização das atividades de início ou de fim das viagens não precisa de uma estrutura como uma rodoviária, pois quando se fixa capital, a estrutura montada permite que seja deslocada para outros lugares que possam apresentar maior rentabilidade, ou seja, a lógica de se utilizar um container como abrigo para algumas atividades têm como justificativa a própria mobilidade que este permite, como ser transportado de um lugar para outro, evitando a construção de alguma infraestrutura mínima e fixada.

Nota-se que cada vez mais não se cria novos sistemas de engenharia para a realização de uma dada atividade econômica, pois o que ocorre é uma inserção de usos associados e com aplicação de técnicas que potencializa usos de infraestruturas existentes, algo que Silveira (2019) pontuou quando analisou o papel das corporações nos transportes de cargas e denominou de logística corporativa. Esse processo ocorre em outras escalas e com outros atores também relacionados a atividade de transporte de passageiros.

Numa rodoviária, há dois circuitos da economia urbana8 presentes internamente e externamente a esse objeto geográfico9 composto essencialmente por serviços que vão desde o transporte de passageiros em táxi ou por aplicativo; comercialização de produtos em lojas ou em ambulantes; lanchonetes; hotéis; instituições de fiscalização; e guichês de comercialização de passagens de inúmeras empresas. A realização das atividades com deslocamentos de passageiros que não adentram a rodoviária resulta numa possível diminuição dos fluxos e da movimentação das atividades comerciais dentro e no entorno desse objeto geográfico.

Figura 3. a) e b): rodoviária de Manaus/AM; c): rodoviárias da Barra Funda (São Paulo/SP); d): rodoviária de Cuiabá/MT. Organização e elaboração: Oliveira Neto, T. e Santos, B. C., 2020.

As rodoviárias presentes principalmente nas capitais brasileiras estão situadas em áreas urbanas com um entorno constituído de ocupações que apresentam áreas comerciais (Figura 3) que complementam os serviços para os passageiros que desembarcam ou embarcam no terminal rodoviário. A importância dessa estrutura constitui não somente pelo complemento às dinâmicas de circulação de passageiros, mas pelos empregos gerados para as atividades de serviços.

Nesse contexto, as operações da Buser, 4Bus, etc., e do próprio fretamento utilizam parte desse arranjo espacial composto de infraestruturas e serviços, pois apesar das operações destes se realizarem com uma circulação com paradas que às vezes ocorrem em pontos de apoio como lanchonetes e restaurantes ao longo de rodovias, elas não dinamizam a economia urbana como o transporte realizado pelas linhas rodoviárias intermunicipais e interestaduais.

A realização das viagens de fretamento tem outros pontos de apoio e outros serviços que são utilizados, muitas vezes distantes dos terminais rodoviários e o fim das linhas, ou de início não possuem os serviços com a participação dos dois circuitos da economia urbana, como ocorre em Florianópolis com o transporte de fretamento de turistas nos meses de dezembro até março (Oliveira Neto, 2018) que desloca centenas de brasileiros e estrangeiros -argentinos e uruguaios principalmente- para as proximidades das praias, e no caso do bairro de Canavieiras, os veículos ficam próximos dos hotéis distante mais de 20 quilômetros do terminal Rita Maria.

As estações rodoviárias constituem em elementos fixos que “permitem ações que modificam o próprio lugar, fluxos novos ou renovados que recriam as condições ambientais e as condições sociais, e redefinem cada lugar. Os fluxos são um resultado direto e indireto das ações e atravessam ou se instalam nos fixos” (Santos, 2017: 61). Os terminais vinculados aos transportes ocasionaram uma transformação onde está fixado, pois reúne fluxos e serviços em um único objeto geográfico.

A potencialização do uso dessa modalidade de transporte realizado pelas empresas de aplicativo e a possível entrada de outras nesse segmento pode reduzir movimentações nos terminais rodoviários, prejudicando toda uma diversidade de serviços instalada dentro e fora dos terminais rodoviários.

Sobre a centralidade das operações no terminal rodoviário, Oliveira Neto (2018) comenta que esse objeto geográfico assume a importância de propiciar o controle da atividade por parte do Estado, seja nos fluxos de ônibus ou de passageiros.10 Ainda nesse contexto:

A existência de uma ou de até três rodoviárias que centralizam diversos fluxos em uma cidade já denota esse controle. O propósito de não delegar a construção de estações de embarque e desembarque para as empresas operantes visa, de certa forma, manter a centralidade do nó da rede de circulação, pois se cada empresa construísse seus pontos de embarque e desembarque em locais distintos tornariam ainda mais pulverizada o nó da rede e talvez uma maior dificuldade na fiscalização de quem chega e de quem saí de uma dada porção territorial (Oliveira Neto e Nogueira, 2017: 244-245).

As regularidades das viagens semelhantes ao transporte rodoviário de passageiros intermunicipal e interestadual cria uma disputa entre as operações realizadas pelo aplicativo e as operações realizadas pelas empresas que detém as concessões, gerando disputas jurídicas.

Um novo híbrido e os embates

As atividades estabelecidas pela Buser, com o oferecimento das viagens conforme as demandas, gera algumas incongruências para classificá-la como empresa de fretamento ou de linha de ônibus constituindo um híbrido.

Esse hibridismo consiste nas operações realizadas que constituem em uma união indissociável entre técnicas informacionais, empresas de aplicativo e empresas detentoras de ônibus, que em um círculo de cooperação interno oferecem serviço de transporte de passageiros em regime de fretamento com diversas viagens entre dois lugares ao longo de um dia ou semana, o que incorpora uma aparência da dinâmica do transporte das linhas rodoviárias, mas não tendo início e nem termino em uma estação rodoviária.

Enquanto processo em curso sendo completamente avassalador com a precarização do trabalho, principalmente dos motoristas dos ônibus, o transporte por aplicativo teve um efeito desencadeador dentro das atividades de transportes realizadas pelas empresas que já operam. Estas passaram a instituir também o transporte seguindo a forma iniciada pela Buser, apesar destas já deterem estruturas consolidadas como garagens e pontos de apoio, algo que não ocorre com a Buser.

Henry (1995: 47) já chamava a atenção para as práticas dominantes dentro da atividade de transporte, como a existência de “relações de salário precárias ou provenientes de setores informais”. Obviamente que nos transportes ocorre informalidade, mas a estrutura de funcionamento das empresas de aplicativo e de ônibus não abre espaço para a informalidade, pois as operações são interconectadas, mas pode abrir caminhos para a realização de atividades mediante a precarização do trabalho.

A atuação da Buser culminou com ações judiciais por parte das empresas que já atuam nas ligações citadas, por intermédio da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (ABRATI), entidade que se posicionou contra as operações da startup. Diante de sucessivas derrotas no âmbito jurídico por parte das empresas regulares, houve a criação de estratégias por aquelas que já operam, como a redução do preço das passagens por meio de promoções11 nos eixos de maior densidade de circulação.

Pons e Bey destacam que o transporte rodoviário é o modo básico de deslocamento entre as cidades e vilarejos em distâncias de até 400 quilômetros e uma distância superior a essa “puede entrar em competencia com el transporte aéreo, siempre depediendo, claro está, del grado de prestaciones que cada red ofrezca como vía de comunicación inter-regional e interestatal y del poder aquisitivo de sus usuários” (Pons e Bey, 1991:120). No contexto brasileiro, tem empresas que operam até 600 quilômetros a partir da metrópole,12 mas nota-se a existência de várias linhas com percursos superiores a 1.000 quilômetros, com variadas paradas, desembarques e embarques.

As rotas estabelecidas com maior densidade são: Belo Horizonte/MG - São Paulo/SP (580 quilômetros), Rio de Janeiro/RJ - São Paulo/SP (440 quilômetros) e São Paulo/SP - Curitiba/PR (416 quilômetros), passando a operar nos eixos de circulação de passageiros já dominados por empresas como Auto Viação 1001, Viação Cometa e Expresso do Sul (ambas pertencem ao grupo JCA) e também companhias como Viação Kaissara (grupo Itapemirim) e Empresa Gontijo de Transportes (SAMOR, 2019), gerando disputas por mercado entre as tradicionais empresas.

A potencialização dessas viagens em um sistema híbrido (frequência + fretado) reacende o debate entre as empresas de fretamento e as empresas que operam as linhas intermunicipais e interestaduais, resultando em embates jurídicos que atualmente estão centrados nas empresas de ônibus que operam por aplicativo e as que operam nas estações rodoviárias.

Se por um lado a estrutura de regulação das atividades de transporte pelo Estado está assentada na possibilidade de se efetivar um controle de quem e quantos operam nos transportes, principalmente no deslocamento de pessoas em ônibus, os avanços recentes do meio-técnico-cientifico-informacional associado a atuação de empresas fazem a fusão entre a técnica e a informação para estabelecer uma atividade empresarial que escapa do constructo normativo existente.

Conforme Wright pontuou, as empresas de transporte procuram a regulamentação dos transportes de passageiros com o objetivo de vedar possíveis ingressos de novas empresas e passar a dividir mercado (1982), e as empresas buscaram os instrumentos normativos para tentar barrar as operações da Buser.

Ressalta-se a organização patronal do setor no Brasil. Duas entidades de abrangência nacional se destacam: a Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (ABRATI) e a Associação Nacional das Empresas de Transporte Rodoviário de Passageiros (ANATRIP).

A ABRATI reúne mais de 100 empresas do setor. Grandes grupos como o BR Mobilidade (da família Constantino, fundadora e acionista majoritária da Gol Linhas Aéreas), que contém companhias como Expresso União, Expresso Itamarati, Empresa Princesa do Norte, etc.; Grupo Guanabara, que contém empresas como Expresso Guanabara, Rápido Federal, Real Expresso e União dos Transportes Interestaduais de Luxo (UTIL); grupo JCA, que possui empresas como Viação Cometa, Auto Viação Catarinense, Auto Viação 1001; fazem parte da entidade. Destacam-se também companhias como a capixaba Viação Águia Branca e a mineira Empresa Gontijo de Transportes.

Já a ANATRIP possui 24 associadas, das quais se destacam as empresas do grupo baiano Brasileiro (Rota Transportes Rodoviários, Cidade Sol e Expresso Brasileiro), o grupo paranaense EUCATUR (União Cascavel, Solimões Transportes, Nova Integração e Serra Azul) e o grupo mineiro RodeRotas (Viação Rotas de Viação do Triângulo, Expresso Araguari e Viação Estrela).

Trata-se de entidades robustas que definem práticas e realizam pesquisas com os associados e usuários do transporte em terminais rodoviários e por intermédio de seus portais. A ABRATI, por exemplo, possui publicações informativas mensais além de uma revista trimestral (Revista ABRATI).

No último editorial de tal revista o presidente do conselho deliberativo da entidade, Eduardo Tude de Melo, defende a necessidade de uma regulamentação mais ampla e efetiva para que o poder público faça uma avaliação mais criteriosa para a entrada de novos operadores nas linhas rodoviárias regulares. Embora não critique diretamente a operação de companhias como a Buser, o texto é claro quanto à desregulamentação do cenário a partir das últimas decisões tomadas pelo atual governo federal.

De repente, sem nenhum aviso, e sem a necessária consulta pública, o poder concedente muda as regras, permitindo a operação do serviço a qualquer empresa que queira entrar no sistema, sem maiores exigências técnicas, operacionais e financeiras. Na prática, introduz uma desregulamentação onde qualquer aventureiro pode entrar (ABRATI, 2019: 6).

O editorial é enfático quanto à insegurança jurídica no setor e ressalta o pioneirismo das principais empresas operantes atualmente. Contudo, trata-se de um discurso contraditório, pois em um editorial na mesma revista, no ano de 2014, o então presidente do conselho deliberativo da ABRATI, Paulo Porto Lima, defende o regime autorizatário, que foi sancionado pela presidência da república na primeira metade de 2014.

Apesar de ainda não conhecermos o conteúdo do trabalho que está sendo desenvolvido pela Agência Nacional de Transportes Terrestres, estamos otimistas com a possibilidade de edição do novo regulamento. Afinal, ao decretar a mudança de regime jurídico da atividade o Governo teve como objetivo principal oferecer aos passageiros mais qualidade nos serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional e ao mesmo tempo fortalecer a indústria, pois, certamente, haverá mais compras de ônibus novos para atender às possíveis exigências do novo regulamento (ABRATI, 2014: 7).

Nota-se, portanto, a contradição exposta pelos argumentos acima trazidos. A primeira versa sobre a aceitação do então novo regime regulatório por parte da representação patronal, pois este pouco alteraria (e alterou) o cenário vigente, já que as autorizações permitiram a continuidade das atuais empresas operadoras no sistema.

Contudo, a ABRATI e suas associadas não contavam com uma “liberalização acentuada” por parte da ANTT, que a partir do ano de 2019 estabeleceu regulamentações que possibilitaram a entrada de qualquer empresa operadora em linhas estabelecidas. Tal abertura foi possível graças à criação pelo governo federal Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que na resolução número 71 de 21 de agosto de 2019, prevê:

Art. 2º A política pública para regulamentação do transporte rodoviário coletivo interestadual e internacional de passageiros observará aos seguintes princípios:

I - livre concorrência;

II - liberdade de preços, de itinerário e de frequência;

III - defesa do consumidor; e

IV - redução do custo regulatório (Brasil, 2019).

Ou seja, o atual governo federal estimulou a ampliação da concorrência entre as empresas regulares, o que gerou queixas das organizações patronais, pois há uma postura historicamente conservadora do setor quanto à entrada de concorrentes nos trechos já estabelecidos. No entanto, as principais companhias e entidades patronais apoiaram o regime autorizatário, que é justamente o mais precário juridicamente, pois confere maior flexibilidade ao setor, já que diferentemente das concessões e permissões que perduram por prazos mais longos, as autorizações propiciam, sobretudo aos grandes conglomerados, a distribuição das linhas entre as companhias. Em suma, as principais empresas regulares apoiaram um regime que com o tempo se mostrou “prejudicial” a elas próprias.

O apoio ao regime autorizatário ocorreu, pois, a ANTT propôs em duas oportunidades a licitação do sistema. No ano de 2003 as permissões das linhas interestaduais e internacionais de longa distância (acima de 75 quilômetros de extensão) expiraram e foram prorrogadas de forma precária até o ano de 2008, quando a Agência elaborou o ProPass Brasil: Projeto da Rede Nacional de Transporte Interestadual e Internacional de Passageiros, que tinha como premissa licitar a atividade em todo o território nacional, com a inclusão de novos atendimentos e novas linhas.

Foram realizados dois estudos que continham os dados da rede de linhas que seriam concessionadas. No primeiro, em 2008, seriam 1.967 linhas licitadas, contidas em 18 grupos subdivididos em 60 lotes, ao passo que no segundo estudo, em 2013, seriam 1.836 linhas em 16 grupos subdivididos em 54 lotes. Os esforços da ANTT foram em vão, pois com a Lei Federal n°12.996, de 18 de junho de 2014, que altera as Leis Federais de números 12.715/2012, 12.873/2013 e 10.233/2001 (criação da ANTT), o texto definiu a utilização do regime autorizatário para a operação das linhas interestaduais com mais de 75 quilômetros de extensão (longa distância). Ou seja, o ProPass é abandonado (Santos, 2015).

Diante do encerramento do processo licitatório, a Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) promulga a Resolução n°4.770, de 25/06/2015, que “dispõe sobre a regulamentação da prestação do serviço regular de transporte rodoviário coletivo interestadual e internacional de passageiros, sob o regime de autorização” (Antt, 2015).

Em última análise, um regime jurídico mais seguro e mais claro para Estado, empresas e sociedade civil, tornaria mais efetiva a fiscalização de plataformas de intermediação como a Buser. As linhas estariam claramente definidas, a função social do transporte mais assegurada, o transporte rodoviário interestadual de longa distância funcionaria de fato como um sistema e abriria a possibilidade para subsídios justamente pelo fato de que cada linha licitada teria um conjunto de características próprias que permitiriam um monitoramento mais eficaz.

Um número maior de cidades seria atendido e mais usuários seriam abarcados pelas linhas e empresas regulares. Todavia, quando há a opção por um regime juridicamente mais precário, abre-se precedentes perigosos para a entrada de novos operadores que sequer têm atributos operacionais mínimos, como frota própria, pontos de apoio e trabalhadores devidamente registrados conforme as leis trabalhistas. E é justamente nesse contexto de precariedade que emergem os novos agentes que não obedecem a grande parte das regulamentações previstas pela lei e operam ligações regulares com a “aparência de fretamento”.

Isso não implica em dizer necessariamente que a licitação impediria o surgimento de novos agentes como a Buser, pois se trata de uma nova forma operacional de ligações rodoviárias que não são regulamentadas, mas possuem regularidade, ou seja, viagens diárias. O que se ressalta, porém, é que um serviço concessionado é melhor monitorado pelo Estado e reduz os flancos de atuação de novos agentes que não se enquadram nos parâmetros legais.

O ProPass Brasil, por exemplo, trouxe em seus estudos detalhes como número de cidades atendidas por linha, frota mínima, número mínimo de empresas, frequência horária necessária, entre outros aspectos, que são de central importância para um serviço público que tem como prerrogativa proporcionar a milhões de cidadãos deslocamentos de longa distância pelo território nacional.

O regime jurídico é determinante para o exercício da função social do transporte. Quanto mais precário ele é, mais problemático é o serviço prestado e menor é a qualidade para o cidadão. Por fim, Santos (2014b:19) atenta para o fato de que “a cidadania é uma lei da sociedade que, sem distinção, atinge a todos e investe cada qual com a força de se ver respeitado contra a força, em qualquer circunstância”.

Pode-se afirmar que as empresas de “fretamento compartilhado” não cumprem com o exercício pleno da cidadania, pois suas operações são dotadas de grande seletividade espacial, já que funcionam “sob demanda”, ou seja, operam somente em ligações com alta procura de passageiros. Finalmente, no Brasil, nota-se uma expansão de outras empresas de “fretamento compartilhado” que iniciaram suas atividades após a expansão da Buser. Destaca-se também algumas “soluções” para concorrer com a Buser elaboradas por empresas regulares, que operam sob demanda em lógica similar.

As derivações do “fretamento compartilhado”: 4bus e levebus

No Brasil existem aproximadamente 557 aplicativos de transportes disponíveis na Play Store (loja de aplicativos do Google). A maioria destes aplicativos possuem abrangência essencialmente regional e local (Machine, 2020), mas alguns como Uber, 99 Pop, Buser possuem abrangência que engloba todo ou quase todo o território nacional, isso não quer dizer que está presente em todas as cidades.

A inserção dos aplicativos em diversas modalidades que envolvem a circulação e os transportes denota não somente um processo carregado de novas divisões do trabalho, como a formação de arranjos antes inexistentes ou operantes sem a mediação técnica atual.

Seguindo a mesma proposta da empresa Buser, a empresa 4Bus (Four Bus) teve início das operações em dezembro de 2018. A criação da empresa ocorreu por meio da “Associação das Empresas de Transporte Turístico e Fretamento do Estado de Santa Catarina (Aettusc) e da Cooperativa de Transporte Rodoviário de Passageiros, Serviços e Tecnologia (Buscoop), e foi desenvolvido por uma empresa de softwares de Brusque, no Vale do Itajaí”, contando com a participação de 43 empresas e uma frota de 3450 ônibus operando desde o Rio Grande do Sul até o Maranhão (Interbus, 2019).

A diferença entre a 4Bus e a Buser (Figura 4) está na própria gênese de cada uma, enquanto a primeira está associada a uma cooperativa de empresas, a segunda consiste num startup que delega a atividade de transporte para empresas de fretamento, e por fim, os ônibus são padronizados em cor azul da 4Bus e rosa na Buser (Interbus, 2019).

Figura 4. Esquema da relação B2B e B2C com as empresas de aplicativo e empresas com frotas de ônibus. Organização e elaboração: Oliveira Neto, T., 2020.

As empresas como Buser, 4Bus e FlixBus (Figura 4) estabelecem uma estrutura composta por uma relação entre empresa de aplicativo com empresas detentoras de frotas de ônibus rodoviário constituindo uma relação13 Business to Business com a sigla B2B. O outro elo é composto pela intermediação entre empresa de aplicativo com os usuários que buscam viagens entre dois locais distintos, nesse elo estabelece a relação Business to Consumer B2C.

Além dessa estrutura, nota-se que no primeiro elo a relação é entre pessoa jurídica com outra de entidade empresarial -B2B- e a compra das passagens pelo aplicativo caracteriza-se como uma relação entre pessoa física e jurídica -B2C-. Esses dois aspectos formam uma terceira categoria denominada de Business to Business to Consumer-B2B2C, que consiste no agrupamento de relações. De forma geral, essas relações denotam novas formas de como ocorre a organização empresarial entre empresas para fins de oferecer um serviço ao consumidor que são os próprios passageiros.

Essas relações estão presentes nessa organização empresarial e nas novas startups que atuam em diversos setores da economia e dos serviços, sendo a de maior expressão aquelas vinculadas aos transportes de pessoas e de comida. A proposta segue o mesmo princípio de uma psicosfera14 centrada na redução dos valores com o transporte nos terminais rodoviários com variação de ser até 60% menor.

A LeveBus é uma companhia oriunda de Porto Alegre/RS que opera em lógica praticamente igual à da Buser. Em seu site há apenas informações sobre horários e preços de viagens e um espaço para o cadastramento de empresas que queiram operar linhas para a companhia. Grande parte dos trechos são para o próprio estado do Rio Grande do Sul, para cidades no litoral como Capão da Canoa, no interior como Canoas e Jaguarão, além de poucos horários para São Paulo/SP e Rivera, no Uruguai.

As soluções encontradas por empresas regulares para concorrer com as novas plataformas: alguns exemplos

Algumas empresas regulares buscaram soluções para concorrer sobretudo com a Buser, que é a mais consolidada desde 2017. Após sucessivas tentativas de intervenções judiciais, o Supremo Tribunal Federal do Brasil15 liberou as operações da companhia, negando o pedido de empresas de transporte que mantém linhas regulares.

A capixaba Viação Águia Branca, para concorrer com a Buser, criou o serviço ÁguiaFlex. Os embarques e desembarques são feitos em diversos pontos nas cidades, pois os ônibus saem e chegam em praças de regiões centrais, estacionamentos de shoppings centers, entre outros locais. Contudo, diferentemente da Buser, a Águia Branca utiliza em determinados horários o embarque e desembarque em terminais rodoviários. As passagens são vendidas exclusivamente online, ou seja, por aplicativos e pelo sítio eletrônico da Águia Branca. Nota-se que ao buscar por um determinado trecho, há a opção pelo horário “ÁguiaFlex” em meio aos horários regulares operados pela própria Águia Branca.

O serviço ÁguiaFlex opera predominantemente com veículos do tipo double decker com dois pisos e poltronas leito. As passagens são vendidas a preços menores em relação aos horários regulares e grande parte das rotas deste serviço já são contempladas por linhas regulares da própria empresa, ou seja, a área de atuação do ÁguiaFlex é relativamente similar à da própria Águia Branca. Nota-se, porém, que diferentemente das linhas regulares, não são todas as ligações do “ÁguiaFlex” que possuem saídas diárias.

Sendo assim, os ônibus deste serviço utilizam a mesma estrutura da empresa, ou seja, garagens, pontos de apoio e paradas para refeições. Em trajetos com mais de 10 horas de viagem há a troca de condutores em respeito à lei do motorista. Ademais, grande parte da frota operante é própria, pois são poucos os veículos “a serviço”, ou seja, locados de companhias de fretamento.

Os principais trechos atendidos pelo ÁguiaFlex saem das capitais Vitória/ES, Rio de Janeiro/RJ e São Paulo/SP. Além de conectar essas cidades, o serviço atende a outras como Porto Seguro/BA, Teixeira de Freitas/BA, Vila Velha/ES, Governador Valadares/MG, Viçosa/MG, Aracaju/SE, Salvador/BA, etc.16

Na região Nordeste a Auto Viação Progresso criou o serviço ProLight, que opera trechos entre as cidades de Recife/PE, João Pessoa/PB e Natal/RN, além de trechos intermunicipais dentro do estado de Pernambuco para cidades como Arcoverde. A empresa já detém a linha regular entre ambas, ou seja, assim como a Viação Águia Branca, a Progresso utiliza frota e estrutura próprias. Os embarques e desembarques ocorrem em locais distintos dos terminais rodoviários e as passagens podem ter descontos de até 80% em relação ao valor original.17

A empresa Real Alagoas, oriunda de Maceió/AL, criou o Real Plus, serviço bastante similar ao ÁguiaFlex e ao ProLight. São embarques e desembarques em pontos alternativos nas cidades de Maceió/AL, Aracaju/SE e Recife/PE, com passagens mais baratas e horários diferenciados, utilizando a estrutura da própria empresa em trajetos já operados pela companhia em suas linhas regulares.

Figura 5. Imagens extraídas dos perfis das empresas Real Alagoas, Auto Viação Progresso e Viação Águia Branca na rede social Instagram anunciando seus serviços Real Plus, ProLight e ÁguiaFlex, respectivamente. Fonte: perfis oficiais das empresas Real Alagoas, Auto Viação Progresso e Viação Águia Branca na rede social Instagram. Organização: Santos, B. C., 2020.

Nota-se na Figura 5 a estratégia de divulgação na internet, pois parte dos usuários do transporte possuem smartphones e perfis em redes sociais como Facebook e Instagram. Contudo, diferentemente da Buser, que surge como uma startup que utiliza somente a internet como plataforma para comercialização das viagens e para formação dos grupos de passageiros, as empresas tradicionais ainda mantêm estruturas físicas como guichês e agências de venda de bilhetes.

Diferentes formas, precariedade nos serviços, insegurança para usuários

Podemos observar diferentes formas que grupos ou empresas estão sendo organizados, com a inserção das técnicas para fins de aumentar ou adentrar mercado constituído pelo transporte de passageiros em ônibus, algo antes essencialmente fechado com diferentes regimes de monopólio (Almeida, 2000), passando a dividir ainda mais mercado com empresas que se constituíram como “fretamento compartilhado” e entalecendo regularidade de viagens entre as principais cidades brasileiras, com exceção ainda da região Amazônica.18

Talvez uma das maiores preocupações no que diz respeito às operações do transporte rodoviário de passageiro em ônibus com regularidade entre as cidades, é a ausência de pontos de apoio e garagens das empresas para prestar um serviço que permita a operação de forma eficiente. Além disso, a empresa de aplicativo não possui relação direta com os trabalhadores como motorista, cobradores e mecânicos, estes são empregados daqueles que prestam o serviço para a empresa de aplicativo, talvez esteja aí o segundo problema, que consiste em operações que evitem ou reduza possíveis precarizações do trabalho, como direção sem tempo de descanso, troca de motorista, ponto de apoio para permitir a troca de motorista e descanso, tendo ainda a manutenção da seguridade social e manutenção dos veículos.

Esse contexto de não ter relação direta é oriundo de um processo global da própria terceirização, pois no momento que se delega uma dada atividade para outra empresa para fins de aumentar os rendimentos, delega-se também todos os encargos sociais para as empresas que operam as linhas, logo a responsabilidade pela condução dos ônibus, manutenção etc., fica centrada na empresa que possui o ônibus e não na empresa que controla o aplicativo. Outro ponto consiste na realização de viagens fora das rodoviárias, onde existem gama variada de serviços, algo inexistentes em diversos pontos de onde se inicia ou termina uma viagem da Buser ou do próprio fretamento.

Tozi (2018) questiona a expansão das empresas de transporte por aplicativo com forte atuação no Brasil, pois estas expandiram sem a existência de um marco jurídico nacional. Essas empresas atuam com estratégias de ações que regionalizam19 o território e “não seguem o ordenamento político-administrativo, ou seja, a sobreposição de regiões no espaço da metrópole, reforça as hipóteses da flexibilidade e da insubordinação de tais empresas diante das legislações municipais vigentes, impossibilitando qualquer tipo de concorrência entre as empresas globais e os agentes tradicionais locais” (Tozi, 2018: 6).

Como se trata de aplicativos, estes e outros de inúmeras modalidades poderão ser criados, como pode-se observar no transporte de passageiros em ônibus, que no Brasil teve o início com a Buser e atualmente tem diversas empresas criadas com o perfil similar, e as empresas que atuavam no transporte em linhas rodoviárias estão criando meios de adentrar nessa forma de organização dos transportes de passageiros, ou oferecendo promoções com descontos acima de 30% para fins de evitar de perder mercado e ficar com ônibus parado, ou com baixa demanda.

Considerações

Este ensaio enquanto uma obra preliminar de reflexão, não teve como propósito abarcar em sua totalidade um processo cuja a ação está sendo realizada de modo contínuo na atualidade constituindo na inserção de empresas que utilizam plataformas digitais para operar no transporte rodoviário de passageiros, e está nova modalidade no Brasil, desencadeou uma transformação dentro da atividade com novas divisões do trabalho em um regime de acumulação flexível.

A inserção de empresas como a Buser no transporte rodoviário de passageiros criou assimetria dentro da atividade econômica de transportes com o oferecimento de deslocamentos com valores inferiores ao transporte regulamentado em linhas rodoviárias e sem algumas obrigatoriedades, como a garantia do transporte de retorno ou frequência.

A atuação desse novo arranjo empresarial ocorre substancialmente em frações territoriais do Brasil que apresentam concentrações demográficas, boa malha rodoviária e pessoas querendo viajar. Apesar do oferecimento de uma gama variada de destinos atendidos, o transporte rodoviário em linhas ainda cumpre com o papel social de permitir fluxos em frações territoriais com estradas precárias, cidades pequenas (50 mil habitantes), e atravessam muitas das vezes longas distâncias, cruzando e atendendo populações de vários estados e regiões.

O transporte rodoviário de passageiros com operações nas rodoviárias ainda possui importante função social, estabelecida em virtude da disponibilidade de viagens e horários de saídas dos veículos, atendendo demandas que variam ao longo do dia e da semana, que muitas das vezes permitem transportar poucas pessoas ao longo de um determinado percurso, algo que seria inviável pela estrutura que se apresenta no caso do “fretamento compartilhado” que é centrada na quantidade sempre alta de passageiros que querem se deslocar.

Há uma faceta relevante da precariedade no transporte rodoviário de passageiros que se relaciona às condições de trafegabilidade das rodovias e infraestruturas nos pontos de apoio para as viagens que iniciam e são concluídas em terminais rodoviários. Nos terminais, nota-se uma diversidade de serviços como posto de fiscalização, comercialização de passagens, alimentos e até hospedagem em hotéis próximos da estação, algo não presente nas operações de fretamento e da Buser e similares, onde o objeto geográfico de embarque e desembarque das viagens não é uma rodoviária, mas sim qualquer objeto geográfico, podendo ser uma rua, um posto de combustíveis ou até um estacionamento de um shopping center.

Se de um lado, essas operações acontecem fora da estação rodoviária com ausência de alguns serviços que possui nas estações ou no entorno a elas, por outro lado, essas operações de transporte rodoviário por aplicativo rompem complemente a lógica de centralidade que uma rodoviária possuía ao estabelecer um nó ou hub estando sobre possíveis fiscalizações das agências reguladoras.

A Buser e a Flixbus denotam formas de organização híbrida, o que aparenta como uma diminuição do papel do Estado nos transportes de passageiros, uma tradicional atividade que ao longo de décadas teve uma participação de instituições que regulava e que criava condições para a manutenção dos empreendimentos sem ou com pouca concorrência. A inserção dessas empresas (Buser, 4bus, etc.), demonstrou primeiramente que a própria inserção das atividades escapa da estrutura que regula as “linhas rodoviárias”, atividade que propiciou a inserção de empresas de fretamento que estavam com veículos ociosos e acirrou a competição entre as empresas já atuantes, resultando no aparecimento de promoções de passagens e até na formação de serviço por transporte em aplicativo por empresas que já atuam no segmento de transporte em “linhas regulamentas”, ou seja, quem domina o mercado cria formas para competir e manter-se perante a entrada de novos atores.

As alterações com a ampliação de empresas operantes no transporte de passageiros no regime de fretamento (ou híbrido) e de linhas regulamentadas, tem repercussões em diversos aspectos, indo da redução das passagens, perca de centralidade das rodoviárias e a precarização do trabalho caso não haja uma fiscalização e ampliação nos pontos de apoio, assim como, de manutenção dos ônibus. A empresa estabelece suas normas internas que estão baseadas em linhas gerais na oferta e demanda de quantos querem viajar para um determinado destino, ou seja, as viagens passam a ficar condicionadas nas demandas existentes.

Apesar do aumento da cobertura espacial da Buser, sua inserção ocorre somente nos eixos de maior interação espacial, ou seja, sua atuação é centrada nos eixos com maior dinamicidade de fluxos de pessoas, o que talvez reduza sua chegada e atuação nos eixos de menor demanda e onde as rodovias não apresentam condições favoráveis às viagens, como no caso de alguns eixos rodoviários que conectam cidades na região Norte do Brasil.

Por fim, a inserção dos meios informacionais ocasionaram uma reorganização nas atividades de serviço, e com o transporte rodoviário de passageiros pode-se constatar que as empresas que operam as linhas rodoviárias passam a adotar o transporte por aplicativo com base na criação de suas próprias plataformas digitais e com sua própria frota a fim de competir com a Buser, 4Bus etc., mas o ponto central de questionamento é a precariedade existente e potencializada com os avanços das técnicas e o uso corporativo destas que apresentam vantagens como redução dos valores entre os lugares, potencializando problemas e uma fuga regulatória.

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Thiago Oliveira Neto / thiagoton91@live.com

Graduado em Licenciatura em Geografia pela Universidade Federal do Amazonas-UFAM, realizou no ano de 2014, mobilidade acadêmica de 2 semestres na Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC, ganhou o prêmio de melhor projeto de iniciação científica em ciências humanas no ano de 2016 pela UFAM, Mestre em Geografia pela UFAM, doutorando em geografia humana pela Universidade de São Paulo-USP e pesquisador do Laboratório de Geografia Política-GeoPo.

Bruno Candido dos Santos / bruno.santos@usp.br

Doutorando do programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo e pesquisador do Laboratório de Geografia Política e Planejamento Territorial e Ambiental (Laboplan/USP). Mestre em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo-USP e Bacharel e licenciado em Geografia pela mesma instituição. Tem experiência em Geografia, com ênfase em Geografia Econômica, Geografia Urbana e Geografia dos Transportes.


1 Segundo Alves (2013: 10) a startup “é uma empresa iniciante com um modelo inovador, que atua em um cenário de incertezas e busca o maior lucro possível em um menor tempo possível. As startups atraem capital de risco, devido ao cenário de incertezas, a maioria possui base tecnológica inovadora vinculada a internet”.

2 A Flixbus é apoiada por Daimler, General Atlantic, Silver Lake e outras (Lunden, 2019).

4 O conglomerado japonês SoftBank criou o Latin America Fund que se constitui em um fundo de cinco bilhões de reais voltado para capital de risco na América Latina.

5 Sobre essa discussão consultar Antas Jr. (2005).

6 A migração e a expansão geográfica permitem, assim, obter taxas de lucro maiores a partir das diferentes combinações históricas dos países e dos lugares (como custo do trabalho, presença de infraestruturas, legislações mais ou menos restritivas, taxa de câmbio, tributação, entre outros) (Tozi, 2018:4).

7 “Os fixos são os próprios instrumentos de trabalho dos homens (...). Os fluxos são o movimento, a circulação e assim eles nos dão, também, a explicação dos fenômenos da distribuição e do consumo” (Santos, 1991: 77).

8 Ver Santos (1979, 2004).

9 Objeto geográfico ver em Santos (1996/2017).

10 Uma das faces desse controle pode ser notada quando se navega pelo site da ANTT que apresenta uma diversidade de informações do transporte de passageiros, apresentando dados e estatísticas relativas ao número de ônibus registrados, linhas, empresas e demanda de passageiros.

11 As promoções tiveram uma alteração no ano de 2017 no transporte rodoviário de passageiros, onde a ANTT alterou as normas e viabilizou as promoções nos serviços e “as empresas poderão fazer promoções para trechos específicos. Elas serão obrigadas a explicar de forma clara todas as regras da oferta” (G1, 2017).

12 A Viação Cometa, companhia paulistana, define um raio de atuação de 600 quilômetros a partir da capital paulista.

13 Na conjuntura atual as Startup possuem: Business to Consumer - B2C relação entre empresa e consumidor; Business to Business - B2B relação entre duas empresas; Business to Employee - B2E relação entre empresa e funcionários; Business to Government - B2G negociações entre empresa e governo; Business to Business to Consumer-B2B2C relação entre empresas e uma dessas com o consumidor; Consumer to Consumer - C2C constituída quando ocorre uma dada transação comercial entre duas pessoas; Direct to Consumer - D2C relação de comércio entre fabrica e cliente final sem intermediação de outra empresa.

14 “A psicoesfera é o resultado das crenças, desejos, vontades e hábitos que inspiram comportamentos filosóficos e práticos, as relações interpessoais e a comunhão com o Universo” (Santos, 1994:32).

15 Sobre isso, ver: Diário do Transporte (2019).

18 Na Amazônia brasileira ocorre a atividade de fretamento para viagens regionais e até internacionais Manaus/Brasil e Lethem/Guiana ou Manaus/Brasil e Caracas/Venezuela, mas ainda sem a utilização dessas plataformas digitais.

19 “Empiricamente, as empresas possuem um conhecimento detalhado dos lugares de atuação e a produção de mapas de demanda que revelam as áreas onde há maior número de solicitação de viagens” (Tozi, 2018:11).